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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Reconstrução - Parte II - No meio do caminho havia um útero.

 

Em junho de 2021, quando iniciei o processo de reconstrução mamária, prometi voltar aqui para contar como anda esse processo. A primeira etapa foi um sucesso. Foi feito uma abdominoplastia e, como já havia contado antes aqui, o material foi usado para reconstruir a minha mama esquerda. A cirurgia durou cerca de oito horas e o trabalho da equipe foi incrível. Tive uma ótima recuperação, levando-se em conta que se tratou de uma cirurgia de grande porte, em poucos dias estava super bem. Não senti dores, e a recuperação foi bem menos chata do que imaginei que seria. Três meses depois a mama reconstruída estava com ótimo aspecto e caimento. Antes dos ajustes eu já estava feliz com o resultado, mesmo sem o mamilo esquerdo. No geral posso dizer que foi uma experiência muito gratificante, que me devolveu a sensação de estar inteira outra vez.

Há dois dias fiz a segunda etapa da reconstrução. Ainda estou aqui me recuperando. No meio do caminho, no acompanhamento com a minha ginecologista, descobri que o meu endométrio estava um pouco espesso. Então decidimos tirar também o útero preventivamente. Não foi uma escolha difícil, depois de ter tido sucesso na ooforectomia preventiva em 2019. Dessa forma poderei encarar os anos que faltam, do tratamento hormonal, mais tranquila, sem o medo constante de que um endométrio espesso, por conta do uso do Tamoxifeno, possa aumentar o risco de um câncer de útero. Uma coisa menos para me preocupar. Como a cirurgia plástica da mama já estava marcada conseguimos conciliar as duas e meus médicos, maravilhosos, fizeram as duas no mesmo dia.

Dizendo dessa forma, parece fácil, mas reconstruir sua vida pós câncer de mama não é uma tarefa simples. É necessário passar por muitos desafios e etapas que eu jamais teria escolhido passar, mas que durante toda essa jornada estão me tornando uma pessoa de quem eu gosto mais. Até agora, desde que descobri o câncer, em março de 2018, aconteceram tantas coisas que olhando em retrospecto nem sei como consegui vencer cada uma delas: começou com uma mastectomia radical da mama esquerda, dois meses de quimioterapia que me deixou sem os cabelos e por dias bem debilitada. Em 2019 tive episódios de depressão que me nocautearam, talvez mais que a químio. Ainda em 2019 desenvolvi um cisto imenso no ovário, causado pelo uso da medicação, e decidimos retirar os ovários para aliviar as dores e também como forma de prevenção já que o tratamento do câncer de mama aumenta um pouco o risco de desenvolver câncer de ovários. Nessa época morei por alguns meses em outra cidade e precisava vir todos os meses até São Paulo, para continuar o tratamento. No início de 2020 voltei à São Paulo e as coisas ficaram mais fáceis.

No final de 2020 meu mastologista, pela décima vez, quis me encaminhar para a cirurgia plástica para reconstruir a mama, mas eu só aceitei falar com o cirurgião quando a minha oncologista me declarou em remissão completa da doença em três anos. Isso significa que em três anos a doença não voltou e não houve nenhuma intercorrência que indicasse a possibilidade disso acontecer. Isso quer dizer que nesse momento estou curada, mas que o tratamento e o acompanhamento, que à princípio seriam de cinco anos, ainda não acabou. Mas, não deixou de ser um marco, um motivo de grande comemoração e só então decidi fazer a reconstrução. Depois de retirar o útero a minha onco resolveu estender o tratamento com o hormônio por dez anos, já que estudos novos sugerem maior segurança para a paciente se usado a medicação por mais tempo.

Depois do trabalho mais pesado finalmente eu comecei a me empolgar com a possibilidade de me refazer. Eu já estava completamente desencanada. Pensava, inclusive, em nem fazer a reconstrução, mas quando falei com o Dr. Washington, ele conseguiu me convencer de que eu merecia ter de volta esse pedaço da minha vida e do meu corpo. Ele estava certíssimo! Já na primeira etapa eu percebi que aquela Adriana, de antes do câncer, finalmente estava de volta. E não tenho nem palavras para agradecer o carinho e o cuidado dele, e de toda sua equipe, comigo. Tem sido uma experiência realmente boa depois de tantos percalços.

Eu sempre digo isso e preciso reafirmar que sou uma pessoa de muita sorte, por ter desde o início dessa saga encontrado os melhores médicos e pessoas que eu poderia ter encontrado. Dr. Andrade, meu mastologista, foi muito acertivo em todos os conselhos e recomendações que me deu. Fizemos a melhor escolha ao focar em uma coisa de cada vez. Não quis fazer a reconstrução imediata, preferi tratar a doença primeiro e ter certeza de que ela provavelmente não retornaria. Foi uma escolha muito feliz. Fazer a reconstrução tardia me deu a tranquilidade de concentrar toda minha energia na cura da doença e a possibilidade de encontrar, três anos depois, o Dr. Washington que me apresentou exatamente o tipo de reconstrução que eu queria fazer.

Também conto, nesse tempo todo, com a parceria da Dra. Kelly, minha oncologista, que tem sido um verdadeiro anjo na minha vida. Sempre muito realista comigo, me colocando de frente com as melhores soluções, como ter tirado os ovários, para poder parar de produzir hormônios e entrar logo na menopausa, por exemplo. Esses cuidados todos tem feito toda diferença no meu tratamento. Há um ano conto também com o apoio da Dra. Maria Augusta, que é uma pessoa incrível. Alguém que eu quero como amiga pelo resto dos meus dias. Ela tem sido muito mais que uma médica e terapeuta - porque ela acaba sendo um pouco minha terapeuta também. É alguém que já posso chamar de amiga. Eu tenho muita sorte! Muita! Estou cercada de pessoas que fazem as coisas serem muito mais fáceis para mim. Esse post é também a expressão de toda minha gratidão à eles. Obrigada! De todo meu coração.

Eu costumo dizer que não têm como passar por um tratamento de câncer sem algumas lágrimas, houveram muitas, e sem alguma dor. Também tive muitos dias dolorosos, de muito sofrimento, dúvidas e muito medo. Mas estou aqui para lhes dizer que é possível passar por tudo isso com o menor estrago. Acho que a parte mais importante disso tudo foi eu ter aprendido que algumas coisas eu precisaria passar sozinha, que era preciso abandonar algumas crenças, me desprender de toda e qualquer vaidade e não sofrer lutos desnecessários. Eu quero VIVER! E viver acabou sendo mais importante do que ter seios e cabelos ou não ter olheiras e algumas cicatrizes. É preciso em algum momento decidir e apenas IR!

Essas marcas no meu corpo hoje têm esse significado: EU ESTOU VIVA! Eu estou sobrevivendo há três anos apesar de todo medo e angústias durante o percurso. O que começou de forma tão dolorosa e num abismo de insegurança tem me tornado uma pessoa mais forte. Eu já era muito forte, mas antes eu não sabia disso. Tem me tornado uma pessoa que eu sei quem é e do que é capaz de suportar. Alguém que eu admiro e hoje posso dizer isso sem parecer arrogante. Eu sou uma pessoa incrível, por ter sido corajosa o suficiente de ir, mesmo com medo, mesmo com dor. Essas marcas hoje não doem, juro, não doem nadinha. Talvez, por eu ter me acostumado que para se estar vivo é preciso aprender a conviver com a dor e o medo.

Além de tirar o útero, dessa vez ajustamos a simetria das mamas e reconstrução do mamilo (foi feito um transplante do mamilo da outra mama), que eu ainda não vi, mas tenho certeza de que ficou ótimo. A ultima etapa dessa via crucis agora será a tatuagem da aréola. E ai acabou!

Por mais louco que isso seja, apesar desses hematomas, da lipoaspiração para enxertia na mama, essa pessoa que lhes escreve aqui é uma das pessoas mais felizes desse mundo hoje. Eu estou aqui! Por mim, pelos meus filhos, pelo meu amor, pelos amigos e minha família. E cada dia tenho mais certeza de que ainda vou ficar aqui por um bom tempo.

Que assim seja!

Esse texto foi escrito ao som de "another love" do Tom Odell.

Fotos: acervo pessoal





domingo, 1 de novembro de 2020

Quem abre o vidro pra você?

 

Essa notícia já é bem velha, mas se você assistiu a primeira temporada de Masterchef vai se lembrar - que na final a Elisa não conseguia abrir o vidro de palmitos e então ela corre para o pai abrir pra ela. Desde então eu tenho me perguntado: "quem é que abre o vidro pra você?". Quem é aquela pessoa que está lá no momento que você mais precisa e te ajuda?

E quando você está sozinho, quem, meu Deus, vai abrir esse bendito vidro de palmitos? Hoje eu já aprendi a enfiar a ponta da faca na lateral da tampa - para deixar o ar entrar - e então abro sozinha e sem esforço todos os vidros de conservas da minha vida. Mas até você descobrir que pode, que é capaz, sofre um bocado.

Toda essa metáfora para poder dizer que com o tempo a gente aprende a se virar sozinho. Acho que comecei a perceber que ninguém iria "abrir vidros" pra mim quando eu tinha 12 anos. E hoje, olhando em retrospecto, acho que isso me ajudou a superar e enfrentar muitas coisas complicadas ao longo da vida. Quando você não tem para onde correr, acaba ficando e enfrentando a coisa toda.  

Eu tenho lido bastante sobre narcisismo e temos falado bastante disso na terapia também. O que antes me vitimizava, agora eu sei que foi o que me fez forte. Eu jamais teria ido atrás dos meus sonhos se não tivesse aprendido "abrir minhas próprias conservas". Jamais teria enfrentado meus piores medos: de escuro, de abandono, de dirigir sozinha na estrada, de ficar gravemente doente, de solidão... Eu jamais teria me libertado das amarras invisíveis que me prendiam à situações masoquistas.

A verdade é que, como já disse em outras postagens, a gente está mesmo sozinho. Descobri isso quando precisei soltar da mão do meu marido e entrar sozinha naqueles aparelhos de tomografias, nas salas de cirurgias e quando era o meu braço que eu estendia para aplicarem a quimioterapia. Era só eu que iria sentir o efeito daquilo tudo, por mais que alguém estivesse ali segurando a minha mão. Talvez não tenha sido tão difícil aceitar essa condição, que no fim é a de todos, porque eu já vinha, há muito tempo, tendo que enfrentar meus reveses sozinha.

Ter estado muito tempo por minha conta e risco me deu asas. Pude voar para onde queria e construir meu próprio ninho. Sem isso talvez eu estivesse, ainda hoje, morando em lugares que eu detestava na adolescência, e com pessoas que não me amavam. Talvez não tivesse tido a coragem de pegar minhas coisinhas e ir morar sozinha aos 16 anos, ou ter pego a minha filha e me mandado de volta para São Paulo quando me separei. Certamente não teria corrido imediatamente para descobrir que nódulo era aquele no meu peito e muito menos enfrentado 1100 km de estrada sozinha, com o meu filho pequeno, várias vezes para seguir meu tratamento. Também não teria alugado um quartinho pra voltar, quando precisamos.

Talvez, se eu tivesse dependido, a vida toda, de alguém para abrir minhas "compotas" complicadas. Eu nunca tivesse saído da casa dos meus avós, que me acolheram, ou voltado para a casa deles, em vez de seguir meu caminho. Talvez fosse ainda pior: teria dependido, "da caridade que quem me detesta" ou que alguém cuidasse da minha filha, para eu conseguir trabalhar, pagando um preço bem alto por isso. Mas, eu abri as minhas asinhas murchas, corri com as minhas perninhas magras e trêmulas - morrendo de medo - e me joguei do alto da montanha. Para minha surpresa as asinhas machucadas deram conta daquele primeiro voo. Depois foi só insistir, insistir e insistir.

Isso tudo não significa que não tenho chorado ou que não foi demasiadamente doloroso algumas vezes. Foi difícil não ter "aquele" colo específico para chorar, mas depois que a gente chora, lava o rosto e vai à luta. Eu me emocionei quando a Elisa, sem conseguir abrir o vidro, correu para o pai e ele abriu para ela. Enquanto todo mundo a criticava por ter tido essa ajuda, eu só pensava no quanto aquilo era bonito: ter para quem correr. Saber que tinha alguém ali em quem ela podia confiar. Alguém que estaria ali para ela sempre - ao menos até que ela aprendesse enfiar a ponta da faca na lateral da tampa.

A Elisa ganhou o jogo e eu acho que foi honesto, ela mereceu! E eu também ganhei meu jogo! A diferença entre nós é que ela chegou inteira no final. Pessoas como eu vencem, vencem bastante, mas chegam despedaçadas - pelo esforço contínuo de aprender errando-, sem ter quem o ensine no caminho. Talvez até a gente leve menos tempo para aprender. Elisa, aos 24 anos, foi sozinha para Paris enfrentar o mundo e fazer suas conquistas. Eu consegui cuidar de mim aos 16 anos, não tinha nenhum prêmio na bagagem para me ajudar, mas consegui!


Eu não "abro os vidros de conservas" para os meus filhos, mas desde pequenos vou ensinando como eles devem fazer "para soltar o ar e liberar a pressão da tampa". Em algum momento eles terão que passar por situações  na vida em que precisarão enfrentar sozinhos. Eu nem sempre estarei lá. A mais velha tem se saído muito bem sozinha, mas ela sabe que tem alguém olhando de longe e que se a barra pesar, mas pesar mesmo, ela poderá perguntar: "como eu abro isso, mãe?".


imagens: divulgação masterchef brasil




segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Me livrei do câncer, e agora?


É outubro novamente e a cor rosa está, de novo, em todo canto. Eu não queria mais escrever sobre câncer. Eu só queria esquecer, se eu pudesse, que um dia eu tive câncer. Faz dez meses que não escrevo mais sobre isso. Mas hoje, eu quis falar sobre isso outra vez. Eu devo isso à você que, acabou de receber um diagnóstico de câncer de mama e, está totalmente apavorada e perdida -  como eu estive no começo de abril de 2018. É para você que eu preciso falar.

Nesse momento, se você resolveu abrir o jogo e contar para todo mundo como eu fiz, deve estar recebendo um monte de mensagens de apoio, de pessoas queridas dizendo que estarão ao seu lado e que você é: "guerreira", "forte", "determinada", "corajosa" e "vai tirar de letra". Mas, quando você está sozinha você chora, porque sabe que isso não é verdade. Por mais que seja bom ouvir essas mensagens de encorajamento você sabe que não é tão corajosa assim e que está sentindo o pior medo que já sentiu na sua vida. Que por mais que tenha uma rede de amigos, de familiares amorosos e pessoas que te apoiarão. Você nunca se sentiu tão só, tão absurdamente só, antes. Eu sei exatamente o que você está sentindo.

Há exatos 18 meses eu escrevia nesse mesmo blog um artigo chamado: "Estou com câncer, e agora?", se quiser ler basta clicar ai no título. E desde dezembro - quando terminei a parte mais pesada do tratamento não escrevi mais. Eu só queria esquecer que um dia eu tive câncer - como se isso fosse possível. Não é possível esquecer! Não tem como esquecer algo que está grudado em você e a cada vez que se despir aquela cicatriz imensa estará lá para te lembrar. Não tem como ser a mesma pessoa depois de um câncer, mas existe uma possibilidade muito grande de você se tornar alguém que se conhece bem. Eu não vim aqui trazer uma mensagem de desesperança para você. Ao contrário disso, eu estou aqui para te dizer que é possível sobreviver. Eu sobrevivi! Eu estou sobrevivendo dia após dia desde 16 de março de 2018.

Por mais aterrador que seja esse momento que você está passando. Acredite, quando te dizem que isso vai passar. É verdade! De uma forma ou de outra vai passar! Você não vai sofrer essa angústia terrível eternamente. Aos poucos você vai aprendendo a lidar com o diagnóstico e com cada etapa que virá. Por mais medo que você esteja sentindo agora, não deixe ele te paralisar. Corra! Corra desesperadamente atrás da sua cura, da sua chance de, como eu, sobreviver. Você não vai se tornar a pessoa mais corajosa do mundo, não espere por isso. Não espere se transformar numa heroína para ir. Vá! Vá com medo mesmo! Vá tremendo de medo, chorando de medo, apavorada de medo, mas por favor vá! Todos os dias eu agradeço por ter ido. Por ter corrido o mais rápido que eu pude. Foi o que me salvou.

Eu quero dizer pra você que nem a mastectomia, nem a quimioterapia é pior do que esse momento que você está vivendo HOJE. Descobrir um câncer, não saber a real extensão da coisa, não saber se está no início, no meio ou no fim é apavorante. Você deve estar pensando coisas horríveis. Imaginando que não estará aqui daqui um ano. Eu imaginei isso! Mas a verdade é que a gente não sabe absolutamente NADA sobre a doença, a não ser que passe por ela ou que esteja cuidando de alguém doente. 

Você deve estar com muito medo dos exames todos. Mas você precisa fazê-los. Nesse momento você vai descobrir que a gente é muito mais forte do que supõe. Que a gente é capaz de coisas que nunca imaginou. Que mesmo tremendo de medo você vai dar conta. Não tenha receio de chorar. Chore! Sofra! Sinta! Mas, por favor faça todos os exames que o médico te pedir. Eu sei que é um momento de muita angústia, meu estadiamento levou dois meses e mais vinte dias até o SUS autorizar minha cirurgia. Foram mais 15 dias esperando o resultado da biópsia final. Quatro meses sem dormir. Quatro meses olhando meu filho, de cinco anos, dormindo na caminha dele de madrugada e implorando por uma chance de vê-lo crescer.

Eu abri meus exames, todos! E sofri desgraçada e desnecessariamente por causa disso. Por favor peça ajuda, se não conseguir evitar, mas não faça isso. A gente abre os exames não entende porcaria nenhuma, corre pro google e ele vai te dizer que você está morrendo, mesmo que não esteja. Espere o parecer do seu médico, por mais ansiosa que esteja, espere o seu médico te dizer a real situação do seu caso. Ele não vai mentir pra você.

Não acredite que uma planta milagrosa vai curar você. Por favor, não abandone o seu tratamento convencional. Muitas vezes a planta que reagiu bem no organismo de uma pessoa, não vai funcionar para você. O que, comprovadamente, pode curar um câncer de mama é quimioterapia, radioterapia, cirurgia e tratamentos hormonais adjacentes. Fora isso é tudo especulação que as pessoas disseminam sem a menor responsabilidade. Por mais complicada que seja a sua situação, acredite, a medicina está bem avançada, em se tratando de câncer de mama, e é possível ter uma qualidade de vida mesmo em tratamentos paliativos. Nessa minha jornada, conheci pessoas que se tratam há 19 anos de metástases ósseas, vivendo relativamente muito bem. NÃO DESISTA!

Se afaste drasticamente, seja de quem for, que vier te contar casos terríveis de pessoas que sucumbiram à doença. De pessoas que de alguma forma te desencorajem. Algumas pessoas vão se revelar completamente cruéis ou sem noção alguma. Não permita que ninguém tire a esperança do seu coração. Não existe um tumor idêntico a outro. Cada um é único e reage de forma diferente em cada organismo, portanto não tem como comparar com ninguém. Já vi casos desoladores, no hospital, de me fazerem chorar, que a pessoa fez a cirurgia e o monstro não era tão terrível quanto se mostrava e a pessoa renasceu das cinzas. Já vi casos simples se complicarem também. Se concentre em si mesma e NÃO DESISTA! 

Aguente firme cada uma das etapas. Em algumas situações, mesmo que tenha alguém que te ama ao seu lado, existirão momentos, que você terá de enfrentar tudo sozinha. Por mais que estejam ao seu lado você terá que entrar sozinha naquelas máquinas de exames. É na sua veia que vão aplicar a medicação. Terão momentos em que você vai se sentir muito fraca, impotente, debilitada, quase sem forças, mas você vai passar por isso também! Quando você se olhar no espelho sem cabelos, com olheiras profundas, completamente frágil e insegura. Lembre-se: isso significa que o remédio está fazendo efeito. As pessoas se iludem muito com as aparências. No dia que eu descobri o câncer eu estava linda! Meus cabelos estavam do jeito que eu sempre quis ter. Meus seios estavam lindos - exuberantes. Minha pele saudável, sobrancelhas grossas - esse foi o momento em que estive mais doente. Nos dias em que estava mais debilitada, mutilada, cansada e destruída pela quimioterapia, eu me olhava no espelho e dizia a mim mesma: essa é a cara de uma pessoa livre do câncer. Nesses momentos eu ligava a música "Na estrada" da Marisa Monte, no último volume e cantava berrando junto, algo mais ou menos assim:

"Ela vai voltar, vai chegar! 
 E se demorar I´ll wait for you (eu esperarei por você)!
 Ela vem e ninguém mais bela, vem em minha direção!
 Seu horário nunca é cedo e quando escondo a minha olheira 
 É pra colher amor."

Doía muito me ver tão frágil, mas não tem como passar por um câncer sem algum tipo de dor. Eu chorava quando precisava chorar, sofria o que precisava sofrer, mas no dia e na hora marcada eu estava lá para enfrentar tudo e receber a minha cura.

Hoje, numa entrevista sobre o outubro rosa, para um jornal do Paraná, me perguntaram: "Quem é a Adriana depois do Câncer?" E eu respondi o seguinte:

Eu ainda estou no primeiro, de cinco anos, de tratamento. Em julho fez um ano que tirei a mama, o tumor foi completamente removido na cirurgia e não havia nenhum comprometimento por metástases. No dia 31 de outubro de 2019 faz um ano que terminei a minha última quimioterapia. Eu fiz uma quimioterapia adjacente, como prevenção. Comecei a tomar o tamoxifeno em dezembro. Há cerca de quinze dias fiz uma ooforectomia preventiva. Eu não tinha entrado na menopausa com o tamoxifeno e ainda estava com a produção hormonal muito alta, isso poderia ser ruim porque o tumor que tive foi causado por excesso de hormônios e eu precisava cessar a produção de estrógeno e progesterona. Depois disso tudo então eu hoje sou alguém em recuperação.

Uma pessoa se recuperando do trauma de ter tido um câncer. Se recuperando e aprendendo a conviver com as sequelas da mastectomia, da quimioterapia e da ooforectomia. Eu fiz apenas quatro ciclos da quimioterapia chamada "branca", mas as minhas doses eram altíssimas - normalmente se aplica 20ml, por eu estar forte e bem de saúde, tomei 80ml em cada sessão. Segundo a minha oncologista o meu organismo levará cerca de dois anos para se recuperar totalmente da quimioterapia. Falta um ano! 

A medicação tem efeitos colaterais como ansiedade e depressão. Além disso morei por oito meses longe do hospital onde me trato, dos amigos e familiares e isso me deu muita insegurança. Eu passei esse ano de 2019 muito deprimida, sem saber lidar com tantas informações e mudanças. Ainda não me reconheço no espelho. Às vezes me pergunto se aquela Adriana - do início de 2018 - vai voltar ou não. Eu ainda não sei. Talvez eu eu nunca mais deixe de sentir medo. Mas eu vou enfrentar cada um deles. Como enfrentei os últimos dez dias esperando o resultado da biópsia dos ovários. Como fiz, há dois meses, dirigindo sozinha, com o meu filhinho, de Porto Alegre até São Paulo para não perder meus exames e consultas.  Eu também estava apavorada no último dia 25 de setembro de 2019, quando entrei naquela sala de cirurgia para tirar os meus ovários, mas na hora marcada eu estava lá. 

Eu sou essa ai! Despeitada! Terei que encarar ainda pelo menos mais duas cirurgias plásticas, se quiser ter peito um dia de novo. Com uma cicatriz imensa que não me deixa esquecer que tive um câncer, mas que também me lembra que eu me livrei dele. Com os cabelos crescendo encaracolados pelas drogas da quimioterapia que ainda estão saindo do meu corpo. Uma mulher de 47 anos se refazendo dos efeitos da químio. Tendo que usar óculos porque a visão também foi afetada pelo tratamento, mas estou aqui... Me recuperando! E enquanto a vida permitir eu vou tentar ficar aqui por mais tempo. Tremendo, aterrorizada, morrendo de medo, mas farei o que for preciso pra ficar mais tempo com as pessoas que amo e criando meu filho ainda tão pequeno.


NOTA: Eu escrevi sobre a minha jornada em busca da cura, de abril à dezembro de 2018.
Basta clicar na TAG: Câncer.
E se você precisa ou se quer conversar sobre isso, mas não tem com quem falar. Me procure. Nos meus piores momentos o que mais me acalmou foi conversar com mulheres que estavam no meio ou no final do tratamento. Eu fui acolhida por essas elas, fui amparada e foram as únicas pessoas que realmente entendiam (e entendem até hoje) toda a complexidade do que estava/estou vivendo. Eu as chamo de amigas do peito. E eu quero muito fazer isso por outras mulheres também. Eu devo isso à você. 

Fotos: Acervo pessoal e Mulher Maravilha - divulgação (retirado do instagram da Fernanda Young)

Trilha sonora: Gunship - When you grow up your heart dies

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Venci!


Foram 4 meses "dormindo com o inimigo" sem saber;

Foram 8 dias esperando o diagnóstico;

Foram 5 dias esperando por uma vaga no IBCC;

Foram 2 meses de estadiamento;

Foram 26 dias esperando liberação de cirurgia;

Foram 4 linfonodos retirados e 1 mastecto radical;

Foram 2 meses de quimioterapia;

Foram 5 meses de angústia - desde perceber o nódulo até receber o resultado da biópsia final e saber que estava totalmente livre do carcinoma. 

Serão 5 anos de acompanhamento e tamoxifeno, mas estou livre!


É claro que não terminou, ainda estou em tratamento, mas hoje, nesse exato momento estou completamente livre do câncer. Refiz os exames todos após a quimioterapia e não restou nenhum vestígio de células cancerígenas no meu corpo.

Isso não significa que estou isenta de produzir outros tumores. Quem produziu um, pode muito bem produzir outros, mas as possibilidades agora são menores. Estou saudável de novo.

E o que fazer para não produzir novos tumores, novas células cancerígenas?
Não tem como prever isso, mas é possível diminuir muito os riscos:

 - TOME ÁGUA! Tome muita água, isso irá ajudar a eliminar as toxinas do seu corpo e fazer com que o seu organismo funcione adequadamente - são necessários ingerir 2 litros de ÁGUA por dia (chás, sucos e afins não substituem a água pura); 

 - FAÇA EXERCÍCIOS FÍSICOS regularmente - Isso faz com que o seu metabolismo funcione melhor, a sua imunidade se eleve e o seu organismo funcione bem, aumentando sua força, concentração e disposição - uma caminhada de ao menos 30 min por dia por pelo menos 4 vezes na semana é o mínimo necessário;

 - SE ALIMENTE CORRETAMENTE - uma das maiores causas do desenvolvimento de células cancerígenas está relacionada a má alimentação, obesidade e sedentarismo. Coma mais frutas, legumes e verduras, corte ou reduza ao máximo os produtos industrializados e diminua o consumo de carnes, doces e laticínios (isso já é um bom começo);

 - DIMINUA O ESTRESSE - a vida corrida, não parar nunca, se exigir demais e fazer mais do que o corpo aguenta é uma das causas relacionadas ao câncer. Diminua o ritmo, tire um tempo para si, descanse, durma bem e faça mais vezes coisas que lhe dão prazer. 

 - FAÇA O AUTOEXAME E EXAMES periodicamente. A maioria dos tumores é descoberta no autoexame ou exames de rotina. Quanto antes você descobrir um tumor maligno maiores são as chances de cura.

 - SEJA FELIZ - Uma mente sã, como já se sabe, produz um corpo são. 

Por mais que se escute isso tudo o tempo todo, infelizmente muita gente - eu incluso - só acorda para a realidade quando precisa enfrentar o bicho papão cara a cara. E por mais que eu queira gritar aqui para o mundo as minhas experiências e por mais que eu queira ajudar ou fazer com que mais pessoas possam escapar dessa doença que machuca tanto, o que vejo no hospital são salas abarrotadas de pessoas correndo atrás da cura e, por mais triste que isso seja, a maioria delas não irá se curar. A maioria chegou ali tarde demais.

O câncer é uma enfermidade cruel! O meu tumor tinha algo em torno de 8 meses de existência quando o retirei e eu o descobri relativamente cedo. Eu corri imediatamente atrás de tratamento e mesmo assim as consequências foram bem dolorosas: o câncer levou o meu lindo seio esquerdo, levou os meus cabelos volumosos embora,  me fez passar por efeitos colaterais intensos na quimioterapia (que foram apenas 4 ciclos - o mínimo no tratamento). Estou enxergando pior que antes, tive oscilações emocionais intensas (depressão e ansiedades terríveis), ainda sinto dores pelo corpo (levarão uns 6 meses para passar se eu fizer os exercícios físicos direitinho), minhas articulações ainda estão inflamadas... Ainda vou ter que esperar mais 10 meses para reconstruir meu seio (pelo menos mais duas cirurgias) e serão 5 anos em tratamento. Isso, porque descobri no início e corri para a cura. 

Me desculpem por insistir nisso, mas durante um tratamento de câncer algo mexe profundamente com a gente. É como se sentíssemos a obrigação de alertar as pessoas. De dizer à elas coisas que vamos descobrimos enquanto corremos atrás da nossa cura. É como se essa segunda chance, que a gente recebe, estivesse condicionada à ajudar quem está vindo atrás de nós. É algo bem comum - em pessoas que eu conheci nessa caminhada que estão em remissão ou curadas - esse desejo latente de melhorar a vida de quem está passando pelo mesmo ou alertar quem possa estar em risco. 

Eu estou vivendo um momento de libertação. Se passaram 9 meses desde que descobri o nódulo no meu seio. Faz um mês que fiz minha última quimioterapia e faz um dia que passei na médica - que olhou meus exames após a químio -  e ela me disse finalmente que estou curada e as chances de recidiva (no meu caso) são 0%, embora ainda esteja em tratamento. Estou curada, mas a vigilância e cuidados serão eternos. Eu estou fazendo a minha parte: cuidando de mim e alertando vocês que passam por aqui. Cuidem-se! Se amem! Se toquem!

Um beijo e toda minha gratidão.

Dra. Kelly (minha anjinha que me deu boas notícias) e eu

fotos: acervo pessoal

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Fim do Ciclo / Vida Nova!

Recomeçar...

Hoje terminou, finalmente, o ciclo (de 21 dias) da minha última quimioterapia. O câncer foi embora e a parte mais pesada do tratamento terminou. Agora é só me recuperar da batalha, 5 anos de tamoxifeno, acompanhamento médico e me manter fiel à uma vida saudável - pra nunca mais passar por isso outra vez. 



Caminhada com a minha amiga Jane, de leve para recomeçar, foram 5 km. E depois o meu café da manhã super do bem. Assim serão os meus dias. É assim que vou manter o câncer longe da minha vida para sempre.



Toda gratidão que houver nessa vida:
Pela minha segunda chance;
Por estar curada;
Por estar viva;
Por estar bem e com saúde outra vez.

Um beijo carinhoso à todos que me seguem.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

A Última Químio / Se Toca Amiga!

Eu já contei aqui, no blog, que o meu câncer foi totalmente retirado na cirurgia. Que não havia nenhum comprometimento de nenhum linfonodo, nenhum órgão e nem dos tecidos. Nem mesmo as margens do tumor estavam comprometidas por células cancerígenas. 

O tumor que eu tive era um nódulo formado por células de gordura, sendo que algumas delas sofreram alterações genéticas pelo excesso de hormônios - estrógenos e progesterona - no meu organismo, transformando-se em células cancerígenas. 

Quando se ouve falar em um tumor, de 2 cm, a gente logo imagina que tem um câncer de 2 cm, mas a coisa não é bem assim. Células cancerígenas se formam dentro de um tumor, rapidamente se proliferam e tomam conta desse tumor, invadem os tecidos - metástase próxima-, entram na corrente sanguínea e se desenvolvem em outros órgãos e partes do corpo - metástases distantes e espalhadas. Eu tive sorte, muita sorte. Descobri em tempo. Muito antes disso tudo acontecer comigo. No meu caso, o tumor era uma massa de gordura contendo em seu interior apenas 16% de células cancerígenas. Essas células ainda estavam encapsuladas dentro do tumor. Isso é um grande motivo para comemorar e o que me faz estar entre uma porcentagem maior de cura. 

O tumor, apesar de médio, ainda estava em estágio inicial. Quando penso nisso agradeço muito por ter me tocado, naquela noite do dia 16/03/2018, e ter encontrado o nódulo. Se eu não tivesse feito isso, se não tivesse percebido logo, a história poderia ser bem diferente hoje. O tratamento, que já foi tão agressivo nessas condições, poderia ter sido muito pior e as chances de cura bem menores ou nulas. Agradeço sempre por ter o hábito de me examinar. Por ter encontrado o nódulo e ter corrido imediatamente atrás de auxílio médico. Isso fez toda a diferença. Não significa que estou totalmente livre - não ainda - mas as minhas chances de estar curada hoje são de 90%. 

Mais do que qualquer exame "preventivo", o ato de me tocar foi essencial para o meu rápido diagnóstico e aumentou muito minhas chances de cura. Eu não era uma pessoa relapsa. Faço anualmente um check up. Fiz uma mamografia em dezembro de 2017 e o nódulo não apareceu no exame. Em março de 2018, ao me tocar encontrei um caroço do tamanho de uma uva. Faço um aqui então alerta: se toque, se examine sempre, não tenha medo do que possa encontrar! Se achar algo suspeito, corra! A maioria dos achados, cerca de 80%, são de origem benigna, mas não tem como saber isso sem examinar o achado. Mamografias, ultrassom, ressonância ou biópsias são necessárias para descartar ou confirmar malignidade. Muitas mulheres têm medo de se examinar, dizem que quem procura acha! Mas outro dia ouvi, de um médico, o complemento dessa frase: "e quem acha, cura!"

Apesar de ter encontrado relativamente cedo o tumor, o protocolo do tratamento envolveu, como sabem, uma mastectomia e quimioterapia adjuvante (preventiva) até agora. Ainda faltam algumas etapas. No fim do mês começo a tomar o tamoxifeno, terei exames de rotina e acompanhamento oncológico por cinco anos. Só então, depois desse tempo, caso não tenha nenhuma intercorrência em relação à doença, terei alta. 

Não foi nada fácil passar por esses quatro ciclos de quimioterapia. Ainda estou me recuperando da última aplicação, que aconteceu no dia 31/10/2018, Mas me sentiria até envergonhada de reclamar, sabendo que muitas pessoas, muitas mesmo, passam por tratamento muito mais longos e dolorosos do que o meu. Conheci pessoas incríveis - lutando com muita bravura e coragem - com histórias complicadíssimas. Passar por uma quimioterapia mexe com você por inteiro. Só quem passa por isso sabe do que estou falando. Não tem nem como explicar, só sabe quem passa por isso. Mas, tudo o que se vive durante um tratamento oncológico faz de você uma pessoa muito diferente do que era antes. Ninguém passa por isso tudo e permanece o mesmo.


Além de lidar com o medo e o estigma de morte o tempo todo - se não a sua, a de pessoas que você conhece e se afeiçoa -, você ainda precisa lidar com todas as transformações que estão acontecendo no seu corpo, na sua vida e no seu emocional.

Durante esses seis meses vivi uma avalanche de emoções. Você precisa se reabastecer de coragem e forças o tempo todo. E você conhece o melhor e o pior das pessoas. Acho que as coisas acabam ficando mais claras. Você passa a enxergar tudo com muito mais honestidade e todos também acabam se mostrando como realmente são. Essa é a parte boa de tudo. Sempre gostei de saber a verdade, por mais cruel que ela seja. Se muitas coisas ruins acabam vindo à tona, muita coisa boa também surge. Descobri que tinha pessoas inacreditavelmente maravilhosas à minha volta e que o mundo ainda é um lugar de pessoas boas na sua maioria. Estreitei relações que ficarão por toda eternidade. Chorei e ri com pessoas que amo e que me amam. Fiz amigos e reencontrei pessoas lindas que estavam distantes. Eu nem vou agradecer individualmente porque esse texto não teria mais fim. Eles todos sabem o quanto estou grata. OBRIGADA, OBRIGADA, OBRIGADA!

A minha recuperação desse último ciclo está sendo bem mais tranquila. Não estou mais ansiosa e não tive nenhum efeito colateral debilitante. Acho que o fato de saber que acabou me deu um gás extra. A medicação ainda vai levar cerca de seis meses para ser totalmente eliminada do meu organismo. Algumas sequelas serão inevitáveis. Acho que nunca mais enxergarei bem como antes, já que a presbiopia - que aconteceria naturalmente - foi acelerada pela químio. Ando muito esquecida, ainda sinto dores no corpo e estou mais cansada que o normal, mas a deprê e ansiedade - que mais estavam me incomodando muito - foram embora. Espero que para sempre! Agora estou me empenhando em recuperar meu corpo, minha energia e os meus cabelinhos - que já começaram a nascer, bem loirinhos - uma graça! Daqui alguns dias vou recomeçar a dieta anterior ao tratamento, continuar reforçando a minha imunidade, voltar a correr e fazer exercícios físicos. É a única forma de dizer adeus definitivamente para o câncer.

Dia 22 começo a tomar o tamoxifeno. Ainda não sei como vai ser, mas acredito que será bem tranquilo. Consegui passar relativamente bem pela quimioterapia - os efeitos emocionais foram os piores. Apesar de ter ficado um pouco inchada em alguns períodos, engordei apenas 1,5 kg durante o tratamento. Isso é algo realmente importante, pois é bastante comum engordar muito durante a químio. Vi relatos de pessoas que engordaram  mais de 18 kg em apenas quatro ciclos. Acho que a alimentação que adotei ajudou nisso também. Durante os ciclos consegui recuperar, em apenas 15 dias, 100% das minhas plaquetas e de todo o sistema imunológico. Não tive nenhuma infecção - que também é bastante comum - e poucos episódios desconfortáveis ou de fraqueza. 

No penúltimo ciclo fiz  um teste para ver a eficácia da minha alimentação. Durante o ciclo inteiro não tomei o suco para elevar a imunidade - tomava apenas os suplementos - e os resultados foram impressionantes. Com o suco a quantidade de células brancas iam de 3 mil (no auge da baixa na químio) para 9 mil (quinze dias depois). Sem o suco foram de 3 mil para apenas 5 mil. Todo o exame deu alterações significativas (com e sem os sucos). Isso só prova o que a gente já ta cansado de saber: uma boa alimentação é a chave para uma vida saudável.

Muita gente tem me perguntando sobre minha alimentação. Quero escrever sobre isso, mas durante o processo percebi a grande responsabilidade que isso implica. Não posso simplesmente escrever receitas de sucos e falar da dieta que tenho feito, porque para chegar à alimentação adequada precisei fazer inúmeros exames de sangue -  e então saber o que o meu corpo produzia e o que não produzia - para saber o que eu precisava repor ou evitar.  Respondi um questionário gigantesco para a nutricionista e tudo o que pesquisei e descobri foi em torno do que iria funcionar para mim. Tudo foi levado em conta: meu biotipo, o tipo de tumor que tive, o tratamento, a medicação e a recuperação que eu precisava. Não é simplesmente uma fórmula mágica que vai funcionar para todo mundo. É uma responsabilidade muito grande, então preciso pensar muito bem no que vou escrever aqui.O que já posso adiantar é que cortar produtos industrializados e fazer uma alimentação mais balanceada vai ajudar qualquer pessoa se manter mais saudável.

Ainda tenho muito o que falar aqui sobre o tratamento e toda essa experiência que estou vivendo, mas quero fazer isso com calma para poder realmente ajudar, de alguma forma, quem esteja precisando dessas informações. Agora que a minha vida está retomando o seu curso eu tenho muitas pendências para resolver, muitas coisas que ficaram suspensas e que preciso fazer ainda, mas assim que possível volto aqui para contar mais coisas para vocês.

Obrigada, por me fazerem companhia nessa jornada.
Deixo aqui a mesma mensagem que escrevi no mural do IBCC no dia da minha última químio:

"Queridos Companheiros de Jornada! Hoje faço a minha última químio e queria dizer à vocês que estão começando seus tratamentos que NÃO DESISTAM! Por mais difícil ou complicado que sejam alguns desses dias, essa é a sua chance de CURA, de tratamento e talvez de melhorar a sua vida pós câncer. Eu sei bem que não é algo fácil, mas VAI PASSAR! Por mais longo e doloroso que seja, sempre há esperança e sempre há uma nova chance. Eu acordo TODOS os dias pensando: "É hoje que vão descobrir a cura definitiva de todos os cânceres!". E um dia será! Um abraço afetuoso - 31/10/2018 "






segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Na estrada

♪♫
Ela vai voltar, vai chegar
E SE DEMORAR, I´LL WAIT FOR YOU!!!
Ela vem, e ninguém mais bela
Baby, i wanna be yours tonight
Sem botão, no tempo
No topo, no chão
Em cada escada
A caminhada
A pé
De caminhão...
Seu horário nunca é cedo
Aonde estou?
E quando escondo
A minha olheira
É pra colher amor...
Sala, sem ela, tem janela
Inclino, em cerca de atenção
Ela vem, e ninguém
Mas ela vem
Em minha direção
Sala, sem ela tem
Janela inclino
Em cerca de atenção
ELA VEM E NINGUÉM MAIS BELA
VEM EM MINHA DIREÇÃO.
Sem botão, no tempo
No topo, no chão
Em cada escada
A caminhada
De caminhão...
Seu horário nunca é cedo
Aonde estou?
E QUANDO ESCONDO
A MINHA OLHEIRA
É pra colher amor...
Sala, sem ela, tem janela
Inclino, em cerca de atenção
Ela vem, e ninguém
Mas ela vem
Em minha direção
Sala, sem ela tem
Janela inclino
Em cerca de atenção
Ela vem, e ninguém
Mais bela vem
Em minha direção...
♪♫
na estrada - marisa

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O sétimo dia...

O sétimo dia após a quimioterapia é aquele em que o sol volta a brilhar pra mim. É o dia em que recomeço a batalha para aumentar minhas plaquetas e levantar o meu sistema imunológico. É quando vejo o milagre da alimentação correta me trazer de volta à vida.

As olheiras são de fazer inveja a qualquer ursinho panda, ainda há um resquício daquela depressãozinha que não quer largar o osso, mas é quando a esperança volta a dominar. E é quando percebo como tudo está relacionado: imunidade baixa = depressão = efeitos colaterais mais exacerbados = posts sombrios.  E qual o segredo para reverter essa situação? Aumentar a imunidade. Aumentou a imunidade a vida começa a ter mais cores, mais sabores e alegrias. Os dias cruéis começam a ficar para trás e até a próxima aplicação terei quinze dias de trégua.

A minha médica explicou que a quimioterapia (no meu caso, ao menos) funciona assim: do momento da aplicação, até três dias depois, tenho algumas pequenas reações alérgicas - e isso faz os três primeiros dias serem meio chatinhos porque tomo antialérgicos bem fortes que me deixam meio piradinha, sonolenta, irritada e cansada. É quando acontece de eu ficar com manchas avermelhadas na pele, aquelas agulhadas (que parece que você rolou na grama molhada pelo lado de dentro do seu corpo), quando fico com aquele gosto amargo e metálico na boca e outras coisinhas que já contei pra vocês no post anterior. Do terceiro ao sétimo dia é quando a droga faz efeito e derruba as suas plaquetas lá em baixo. Não apenas as plaquetas, mas você se sente completamente nocauteada. O pior dia para mim é o quarto dia. É quando me sinto muito fraca, sem vontade de fazer nada, sinto o mundo desabando e fico muito deprimida (e acabo escrevendo os posts mais tristinhos desse blog). Mas, essa é uma depressão que tem causas físicas e tempo curto de duração. A quimio acaba também com a sua produção dos "hormônios da felicidade": a endorfina, a serotonina, a dopamina, a oxitocina e a anandamida. E sem esses hormônios trabalhando no seu corpo até a pessoa mais feliz do mundo vai ficar pra baixo e passar a perceber todo o cinza a seu redor. Passado o efeito da droga a gente volta a produzí-los todos e volta a achar a vida bela.

No meu caso, no quinto dia é quando eu começo lentamente a me recuperar. No sétimo já acordo animada, feliz de novo e cheia de planos. Até me esqueço do quanto os dias anteriores foram tão pesados e exaustivos. É quando então as pessoas, que seguem esse meu blog, devem achar que eu sou bipolar ou bem maluca mesmo. É quando eu começo a postar as coisas que me animam, a dividir minhas descobertas e paro de choramingar pelos cantos. Volto a me achar bonita, a gostar de quem eu sou e volto a acreditar que sou abençoada e que eu tenho muita sorte. É quando eu volto a enxergar todas as coisas boas e transformações positivas o câncer trouxe pra mim.

Eu devia ter contado isso antes para vocês, mas só agora, depois de três ciclos de docetaxel, foi que eu comecei a compreender melhor como as coisas estão funcionando. Dito isso, vocês podem continuar seguindo o blog sem achar que a pobrecita da Dri tá ficando doida de pedra. Daqui treze dias começa tudo de novo: aplicação do medicamento, três dias com reações alérgicas, mais quatro dias de efeitos colaterais e depois o sol vai brilhar de vez e definitivamente... ou até eu começar o tamoxifeno no dia 21/11/2018 - esse ainda só sei de ouvir falar, mas como ele vai antecipar a minha menopausa, já imagino que vem um turbilhão de emoções por ai. Depois eu conto como será.

Obrigada por virem aqui,  mesmo que vocês não comentem... Ah! eu vejo a quantidade enorme de pessoas que passam por aqui em cada post. OBRIGADA!
Muito, muito, muito obrigada!

Beijo!

Foto: acervo pessoal



domingo, 14 de outubro de 2018

Tirando de letra?

Essa ai ao lado sou eu, vista pelo meu filho Tomás que tem cinco anos. É a melhor definição de mim nesse momento da minha vida. Em poucas linhas ele conseguiu colocar no papel exatamente um resumo exato meu: uma pessoa nua com um peito só, costurada do lado esquerdo e alguns fiapos de cabelos que insistem em crescer.

Ninguém passa por uma quimioterapia sem sofrer alguma transformação e sem se tornar, talvez, um pouco mais humilde. Não é apenas por sentir as drogas, literalmente, percorrendo cada célula do meu corpo. Enquanto sinto o gosto amargo e metálico tirando o meu paladar, o estômago embrulhado - tirando o prazer de todas as coisas que eu gostava -, as agulhadas espalhadas pela minha pele - excitando cada um dos meus neurônios - e essa dor de cabeça estranha - diferente de todas que eu já senti, estou mudando completamente a minha composição. Não apenas a física, mas toda a estrutura emocional também.

Há um ano eu sequer poderia imaginar que um dia estaria imersa numa situação tão inédita. Num misto de sentimentos tão contraditórios: ao mesmo tempo em que me sinto completamente grata por tantas descobertas e enfrentamentos sobre mim mesma, me sinto tão frágil, insegura e impotente diante de tantos efeitos colaterais. Eu sei que é temporário, mas estou aqui e agora inserida nesse momento, que parece não ter fim. Sei que vai passar, que está passando rápido - só falta mais um ciclo-, mas o resultado da última aplicação ainda lateja no meu corpo - ainda preciso me recuperar dessa e me preparar para a próxima - e cada vez parece mais intenso e longo. Não tem como não pensar nas sequelas e consequências quando ainda se está vivendo a coisa toda.

Você sente, e se dá conta de, cada ossinho e de cada veia do seu corpo. Cada um dos meus neurônios  estão perceptíveis pra mim e não sei ainda quanto bem ou quanto mal essa droga, passeando agora pelo meu corpo, está me causando. Estou enxergando tão mal! O meu processo de presbiopia foi drasticamente acelerado pela quimioterapia. Tenho esquecido palavras do meu cotidiano, como brócolis - que como todo santo dia -, por exemplo. Ando tão ansiosa, com os ouvidos constantemente entupidos e os nervos à flor da pele. A quimioterapia te deixa muito deprimida, muito mesmo! Não estou conseguindo ler mais e ver um filme inteiro sem dormir é uma verdadeira conquista - felizmente ainda consigo escrever. E essa sensação metálica, como se estivessem esfregando uma palha de aço em cada um dos seus ossos, te deixa em constante alerta e você já não se lembra mais como era a sua vida antes dela. Os meus músculos latejando já deixaram de me divertir faz algum tempo e eu só queria que parassem de se mexer assim, sozinhos.

Eu, apesar de compreender, sempre fico pensando quando pessoas queridas me dizem frases prontas - repetidas inúmeras vezes na tentativa de me fazerem me sentir melhor. Que eu não sou uma "guerreira corajosa que está tirando isso tudo de letra". Não mesmo! Eu só sei que querendo ou não, com medo ou não, forte ou fraca é algo da qual eu não tenho como fugir. É algo que eu não tenho outra alternativa a não ser enfrentar. E fico pensando em tantas pessoas, tão incríveis, que tenho conhecido - que não tiveram a mesma sorte que eu de descobrir a doença no início - e mesmo elas sendo tão mais corajosas e determinadas que eu talvez não se curem. Penso no quanto aquela senhorinha idosa, tão frágil, tomando doses muito maiores que as minhas e indo embora pra casa sozinha, é infinitamente mais forte e corajosa que eu. Tive vontade de abraça-la, de segurá-la no meu colo e cuidar dela como se cuida de um bebê.

Eu não reconheço mais a minha imagem no espelho, além da aparência, há algo no olhar, algo que eu não consigo identificar, mas que não é mais familiar para mim. A quimioterapia não está destruindo apenas células cancerígenas (se ainda havia alguma) ou apenas as células boas do meu corpo (o que provavelmente está acontecendo). É muito mais que isso, ela está destruindo completamente parte do que eu sou. Ao mesmo tempo em que sinto essa imensa gratidão pela oportunidade de estar aqui, nesse exato instante, me curando completamente de uma doença mortal eu também sinto esvaindo de mim grande parte de quem eu sou ou de quem eu fui.

meu desenhista preferido no mundo inteiro

Fotos: Adriana Mani




quarta-feira, 25 de abril de 2018

Por que é tão difícil falar do câncer?

Depois que recebi o meu diagnóstico percebi que algumas pessoas têm muita dificuldade de falar sobre isso. Alguns por receio de incomodar, outros por não saber o que dizer e outros ainda por medo.
Eu também me sentia muitas vezes sem saber o que dizer para alguns amigos, que passaram ou estavam passando por isso. Eu tinha um receio muito grande de perguntar algo e acabar chateando a pessoa. Sei lá, ela poderia estar lá tentando se ocupar de outros assuntos pra esquecer e de repente eu iria lembrá-la. Não queria ser eu justamente a pessoa que iria perturbar a sua paz.
Desde que publiquei o meu relato e quando informei minha família e amigos mais próximos notei o quanto é difícil para algumas pessoas falarem comigo sobre o assunto. O meu "problema", a minha "enfermidade" ou minha "luta", nunca o meu "câncer". Muitos queridos que eu sei que gostam de mim simplesmente não conseguiram me dizer alguma coisa. Alguns se afastaram completamente, outros assumiram não ter nem o que me dizer e outros ainda (que sempre falavam comigo) simplesmente sumiram.
Eu queria dizer para vocês queridos do meu coração. É que está tudo bem: me procurar e falar sobre o assunto ou também não dizer nada sobre isso. Podemos falar de outras coisas ou podemos falar sobre o meu câncer.
Eu estou bem, estou bem informada e sei bastante sobre o que está acontecendo no meu corpo, como será complicado o tratamento e também que muito do que eu achava saber sobre câncer estava errado ou era um mito.
Quero que saibam que podem falar comigo se quiserem. O meu período do "luto" já passou e a partir do momento que você aceita a sua doença perde completamente o medo dela. E que também está tudo certo se não quiserem falar comigo sobre isso. Podemos falar de todas as outras coisas que falávamos antes. Só não sumam, por favor.
Um beijo muito carinhoso.
Postado no facebook - 23/04/2018