domingo, 5 de novembro de 2017

Mãe de Menino

O Tomás, meu caçula, tem quatro anos e antes dele existir eu pouco tinha convivido com meninos. A irmã dele é 20 anos mais velha que ele e ela tinha sido a minha última experiência com crianças. Convivi com um irmão e um primo, mas não tomei conta deles. Com minha irmã e primas, por ser mais velha, acabei muitas vezes fazendo o papel de baby sitter delas. O meu filho é a minha primeira convivência tão próxima com um menino.

Antes dele eu não tinha noção do quanto seria difícil ser mãe de um garotinho. Já começou antes mesmo dele nascer: comprar enxoval e preparar o quarto para um menino é um desafio e tanto se você não quiser cobrir o seu bebê, da cabeça aos pés, de azul. No dia que ele nasceu, enquanto era anestesiada, ouvia os médicos discutindo e falando por mim sobre quais desenhos ele deveria assistir: "...ela vai ter um menino,  ele não vai assistir pequenas princesas..."

O Tomás é uma criança incrível. Às vezes fico observando o seu jeito de olhar o mundo e sinto aquele frio na barriga. Ele ainda não frequenta a escola. Não tem ideia ainda de como as coisas funcionam nesse lugar tão caótico em que vivemos. Ele ainda não sabe que, para algumas pessoas,  existe brincadeira de meninos e brincadeiras de meninas. Ele não se importa se não compramos um brinquedo que ele viu na vitrine, mas se empolga muito quando fazemos juntos seus próprios brinquedos. Ele se encanta com as pequenas coisas.

Em sua inocência não ele sabe que lá fora existe racismo e preconceitos infinitos. Ele simplesmente não sabe que o amor  entre duas pessoas às vezes não é aceito. Não sabe que a cor da pele de alguém poderá ter influência em alguma coisa.  Ele não dá a mínima se o amiguinho que brinca com ele é rico, pobre, branco, negro, se foi pra Disney ou se nunca saiu do bairro. Ele ainda não conhece a maldade humana. E eu sofro só de pensar que em breve, de alguma forma, ele irá conhecê-la.

O meu menino é uma criança feliz. Ainda vive sob a total proteção dos pais. Quando tinha dois anos ficou obcecado por máquinas de lavar. Mas ele não ouviu quando me disseram para levá-lo ao psicólogo por causa disso. Também não entendeu os fervorosos elogios quando a obsessão dele mudou para aviões. Estranhamente ninguém me mandou levá-lo ao psicólogo por isso, pelo contrário, ele agora é ovacionado porque será um brilhante piloto ou um engenheiro.

Ele não entende porque algumas pessoas pensam que ele é menina e continua pedindo para nós não cortarmos o cabelinho dele. Ele ainda não sabe que religião existe. Não sabe que algumas pessoas não deixarão seus filhos brincarem com ele quando descobrirem que o seu pai é ateu ou sua mãe kardecista. E tenho medo que ele descubra isso da pior forma: sendo proibido de fazer algo ou de brincar com algum amiguinho que ele goste simplesmente porque os pais pensarão diferente dos pais dele.

Às vezes, quando penso nisso tudo tenho vontade de segurá-lo aqui conosco. Queria não mandá-lo nunca para escola. Queria impedi-lo de conhecer esse outro mundo tão cedo, mas não posso fazer isso. Está cada dia mais complicado protegê-lo disso. Outro dia um garotinho quase da idade dele, no parque, zombou porque ele não sabe falar inglês. Ele sequer entendeu o que era aquilo e continuou brincando com aquele menino mesmo quando ele começou a jogar água suja na carinha dele. Meu coração fica aflito quando penso que toda essa pureza que ele carrega está perto de acabar.

Eu não posso evitar esse confronto. Eu sei que ele terá sempre o aconchego do nosso abraço e a paz do nosso lar, mas também sei que a responsabilidade de educar um menino é bem grande. Talvez maior que educar uma menina, com a Bia pareceu tão fácil. Ela andava de bicicleta e jogava futebol na escola, mas ninguém nunca me mandou levá-la no psicólogo por essa razão. 

Outro dia disse para minha sobrinha, que tem 21 anos e é uma garota incrível, que eu não preciso explicar para o Tomás um relacionamento gay, porque ele simplesmente está olhando como nós nos comportamos diante das coisas. Se é natural para nós, será natural para ele também. Ele está atento a tudo o que fazemos e falamos e muitas vezes vejo-o repetindo por ai palavra por palavra do que dissemos. A minha maior preocupção é deixar passar alguma coisa que carregamos, que estão intrínsecas na gente porque foi assim que aprendemos. 

Quando penso no enorme desafio de criar um homem bom na nossa realidade, eu sinto muito medo. Tenho me deparado com circunstâncias que estão completamente na contramão de tudo aquilo que desejo para ele. Espero que ele entenda o verdadeiro significado do respeito, que saiba que, por mais doido que seja lá fora, aqui em casa será diferente.  Que quando perguntarem se ele é uma menina, por causa do seu cabelo grande, ele não se sinta inferiorizado. Que ele compreenda que há algo errado com as pessoas que não aceitam as diferenças e não com ele. Que não há absolutamente nada errado em ajudar em casa, brincar com uma máquina de lavar e que rosa é apenas uma cor - e que ele pode gostar dela.

Fico apreensiva quando penso nessas coisas todas que ele ainda vai conhecer. Muitas vezes fico chateada com as coisas que eu ouço.  Mas, quando vejo o pai que escolhi para ele meu coração fica mais tranquilo, pois eu sei que não estou sozinha nesse imenso desafio. E o maior exemplo que o meu filho terá na vida é do homem maravilhoso que ele tem como pai.