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domingo, 11 de junho de 2023

Centelha de vida!

Eu tô viva!
E a cada instante eu tenho a noção exata do que isso significa.
Quando a gente recebe um diagnóstico de uma doença grave cruza uma fronteira que a gente nem sabia que existia: a consciência da nossa efemeridade.
Você está ali vivendo sua vida sem prestar atenção e de repente você entende que o tempo pode ser realmente muito curto.
Logo que peguei o resultado da biópsia eu pesquisava, o tempo todo, notícias de sobreviventes. E conheci histórias lindas de superação, de força e coragem. Mas, o que mais me chamou atenção nesses relatos era que 100% dos sobreviventes tinham algo em comum: eles haviam descoberto uma centelha de vida. Um significado grandioso para sua existência: SER FELIZ!
Naqueles primeiros dias eu ficava pensando: como alguém poderia descobrir essa tal felicidade passando por momentos tão difíceis?E foi ao longo do tratamento que eu fui compreendendo cada vez mais o segredo disso. Quando você entende, pra valer, que pode ter que ir embora a qualquer momento a vida começa ter outro sentido. Eu não sei exatamente quando essa transformação aconteceu comigo, mas quem vai sobrevivendo vai se nutrindo de uma vontade férrea de viver. De não perder mais tempo algum com pequenas coisas ou dissabores. O tempo tá passando e você já esteve à beira do abismo, sabe quão profundo ele pode ser.
Então você passa a se nutrir de vida. Enquanto há vida!
Eu sempre fui uma pessoa feliz, sempre gostei de viver e sempre gostei de quem eu sou. Ao menos eu achava isso. Mas agora, cada segundo tem um sabor especial, não desperdiço uma única oportunidade de ser feliz. E quanto mais eu me embriago nessa alegria de estar viva, mais vontade eu tenho de viver.
Hoje quando eu penso em todas as coisas incríveis que só me foi possível perceber e compreender a partir daquele diagnóstico eu quase fico feliz por ter passado por essa experiência.
É um divisor de águas: o antes e depois da descoberta de mim mesma. Isso só foi possível, para mim, passando por um período muito muito muito tenebroso.
Eu não sei explicar exatamente qual foi o momento em que eu encontrei essa centelha, essa coisa etérea que transformou tanto a minha existência, mas quando eu olho as pessoas à minha volta eu fico desejando tanto que todo mundo também tivesse encontrado isso.
O mundo seria tão menos competitivo e tão mais divertido.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Vida Anticâncer

No último dia 03/03/23 tive consulta com a minha onco. Ela analisou meus últimos exames: ressonâncias, cintilografia, dosagem hormonal, e hemograma mega completo.
Pela primeira vez, nesses quase 5 anos de tratamento, ela falou oficialmente em CURA e programação da alta do tratamento.
Antes dessa última sexta ela sempre deixava claro: "extra oficialmente eu já acho que você está curada, mas só poderei te declarar curada quando tomar o último comprimido do tamox".
Dessa vez foi diferente, ela disse: "você está com produção hormonal zerada há 2 anos, vou refazer todos os seus exames no final do ano e acho que em dezembro já poderei te dar alta. Não vamos precisar esperar dez anos como imaginei".
Eu gelei! Disse que não me sentia segura, pois conheci pessoas que o câncer voltou após parar o tamox com uso de 5 anos.
Então ela me disse:
"não seria seguro se a produção hormonal estivesse ocorrendo normalmente. Na sua condição atual, ter uma produção hormonal de estrógeno de até 5,5 seria normal, mas você está produzindo 0,5 há 2 anos. Isso é zero!
Disse: "UM CÂNCER CURADO NÃO VOLTA. E NÃO EXISTE CÂNCER SEM AMBIENTE PROPÍCIO. O tumor que você teve se alimentou do estrógeno que você produzia em excesso."
E repetiu: "CÂNCER CURADO NÃO VOLTA SEM UM AMBIENTE PROPÍCIO E VOCÊ ESTÁ CURADA!
A ÚLTIMA, e contínua, etapa do tratamento agora é impedir que você produza outros tipos de tumores novos. A manutenção desse ESTADO DE CURA precisa ser para sempre.
E me mandou ler esse livrinho de 500 páginas.
Programamos minha alta para julho de 2026, quando totalizar 7 anos e meio de tratamento com tamox (medicação que impede células cancerígenas de se alimentarem dos hormônios).
Colocar em prática todos os ensinamentos desse livro é a última etapa do meu tratamento, que ela chamou agora de: PÓS CURA!
Ainda vou esperar 2,5 anos antes de receber oficialmente alta e ela fazer aquele ritual lindo e emocionante que ela faz quando declara um paciente curado do câncer. Mas, foi maravilhoso ouvi-la dizer, com todas as letras, pela primeira vez, em 5 anos, que ESTOU CURADA!

sábado, 11 de março de 2023

Reconstrução Mamária - Final

Depoimento feito para o site da clínica do Dr. Washington, que fez a minha reconstrução mamária em 2021:

Me chamo Adriana e fui diagnosticada com câncer de mama em 2018. O meu tratamento iniciou com uma mastectomia radical da mama esquerda. Na época tive a opção de fazer a reconstrução imediata, mas optei pela reconstrução tardia. Preferi concentrar todas as minhas energias e atenção no processo de cura. Dessa forma tive a oportunidade, três anos e meio depois, de conhecer o Dr. Washington, que me apresentou exatamente a técnica que eu gostaria de fazer. Colocar uma prótese de silicone não estava nos meus planos e a reconstrução com o método DIEP foi a mais acertada. A reconstrução foi feita em duas etapas: na primeira foi feito uma abdominoplastia e a mama foi reconstruída com o retalho, ligando vasos sanguíneos e nervos. Na segunda etapa foi feito o ajuste das mamas, a reconstrução do mamilo - usando parte do mamilo direito, que foi enxertado na mama reconstruída. Também nessa etapa foi feito uma lipoenxertia que preencheu e moldou o colo. Meses depois fiz a micropigmentação da aureola e suavização da cicatriz. O resultado ficou surpreendente e muito natural.
Dr. Washington é um profissional muito competente, experiente e apaixonado pelo que faz. Me senti muito segura e acolhida em todas as fases do processo. Desde a primeira consulta foi extremamente atencioso e detalhista. Eu segui à risca todas as recomendações e tive um pós operatório bem tranquilo, muito tranquilo mesmo. Imaginava que seria um período bem chato, mas foi tudo muito mais fácil. Não senti dores incômodas e em três dias já estava dando alguns passos pela casa. Toda a minha experiência foi realmente muito boa. O meu sentimento é de muita gratidão e carinho por esse profissional incrível que devolveu um pedaço da minha vida que eu não imaginava mais recuperar. Hoje, passado um ano e meio depois dos ajustes, praticamente nem me lembro mais que passei três anos e meio sem o meu seio esquerdo. 

Uma imagem vale mais que as palavras, então deixo aqui algumas fotos das etapas:

                                            (quando retirei as ataduras na mastectomia radical - julho de 2018)


                                             (primeira etapa da reconstrução - abdominoplastia em junho de 2021)


  (segunda etapa da reconstrução - ajustes em outubro de 2021)

  
(terceira etapa da reconstrução -  micropigmentação)

fotos: acervo pessoal)
 

domingo, 25 de setembro de 2022

5 km de gratidão e esperança!

Hoje foi um dia muito especial para mim. Há quatro anos, como sabem, fiz um tratamento muito intenso contra um câncer de mama. No dia, 24 de julho de 2018, quando acordei da mastectomia no hospital, prometi a mim mesma que um dia faria a corrida de 5 km promovida pelo hospital. Desde 1998, no início da campanha de "O Câncer de Mama No Alvo da Moda", comprava as camisetas, que eram vendidas em prol do tratamento de câncer, sem nunca imaginar que estava colaborando justamente com o mesmo hospital que um dia salvaria a minha vida: o IBCC, que agora se chama São Camilo Oncologia.

Nesses últimos 4 anos passei por uma mastectomia radical da mama esquerda, fiz 4 ciclos de quimioterapia, tive alopecia e sequelas da químio, em 2018. Faço hormonoterapia e acompanhamento oncológico por dez anos. Só terei alta e serei declarada oficialmente curada em 2028. Foram exatamente 2 anos inteiros para me recuperar totalmente dos efeitos da quimioterapia. 1 ano de fisioterapia para a pele, que foi esticada na mastecto, não aderir aos ossos do meu tórax, que doía muito. 

Em 2019 retirei, preventivamente, os ovários e em 2021 o útero. Ainda em 2021 passei por 2 cirurgias plásticas de grande porte, para reconstruir a mama, sem precisar colocar silicone, e fiz um autotransplante de mamilo, retirando um pedaço da mama direita e enxertando na esquerda reconstruída. Fiz mais 1 ano de fisioterapias diversas para colocar o ombro no lugar e ajudar na cicatrização. Foi necessário depois de tantas cirurgias, pontos e pele repuxadas. Desde junho de 2022 faço um tratamento para suavizar e clarear as cicatrizes e precisei de 2 sessões de tatuagens para refazer a auréola em torno do mamilo da mama reconstruída.

Só então, depois disso tudo, já totalmente recuperada, voltei a caminhar no início de 2022 e a correr cerca de 1 km desde julho deste mesmo ano. Fiz a minha inscrição para correr os 5 km, antes mesmo de conseguir correr esse primeiro quilômetro. Hoje, 25 de setembro de 2022, às 7 h, mesmo sem um treino mais específico, estava lá na largada, junto dos meus amores, para vencer mais esse desafio. 

Essa corrida foi ainda mais especial, pois, além de ter passado por um câncer de mama, foi um momento de outra superação pessoal. Há dez anos, em 2012, eu tinha 40 anos, pesava 52 kg e treinava quase que diariamente, fiz 5 km em 40 minutos na meia maratona de SPaulo daquele ano. Hoje, aos 50 anos, pesando 10 kg a mais e sem treinar corrida para valer, fiz os mesmos 5 km em menos de 38 minutos. 

Desde o primeiro momento essa corrida me emocionou muito. Estar ali na largada rodeada por uma multidão, me lembrando de cada pedacinho superado nesses últimos quatro anos, foi indescritível e será inesquecível. Muitas pessoas ao meu lado também estavam emocionadas, por terem passado pelo mesmo ou por ter ainda alguém que ama em tratamento. Foi realmente um momento único. Ao mesmo tempo tão solitário, com a minha música preferida tocando em looping no meu fone de ouvido, e em meio a uma multidão correndo ao meu lado com o mesmo propósito de chegar. Impossível descrever esse sentimento, foi maravilhoso.


Eu dediquei a minha corrida à uma amiga muito especial, a Rosário, que ainda está na batalha vencendo, bravamente, dia após dia cada um dos obstáculos que essa enfermidade tão complexa nos impõe. Foi muito gratificante poder dividir esse momento com ela e de alguma forma levar um pouco mais de fé e esperança para alguém que gosto muito.

Também foi emocionante receber o abraço tão afetuoso, tão apertado e acolhedor da minha querida amiga Natália, que madrugou nesse dia tão gelado para estar lá e me ver chegar. Os abraços: dela, do Diego e do meu Tomás, fez com que eu me sentisse uma pessoa muito amada. Um serzinho muito feliz e cercada de muito afeto.

Eu tenho muita sorte nessa vida, sempre tive! E nesses últimos 4 anos superei tantos medos, inseguranças, tantos traumas, sofrimentos e dificuldades que só consigo ficar imensamente GRATA por tudo que passei até aqui. Me arrisco até a dizer que, apesar de tão intenso e difícil que tenha sido o tratamento, eu me transformei numa pessoa de quem eu gosto muito. Me tornei uma pessoa tão feliz que não posso me queixar de absolutamente nada do que passei. Estar aqui hoje realizando sonhos, conquistando tantas coisas importantes, dando e recebendo tanto amor, fez valer cada sofrimento pelos quais passei.

Enquanto corria eu agradecia -  por tantas coisas incríveis que venho recebendo desde março de 2018 - e imaginava a minha médica esperando por mim lá na linha de chegada - com aquela risada gostosa que ela tem - dizendo, assim que eu cruzasse a linha final: "parabéns Adriana, você conseguiu, está TOTALMENTE CURADA e de alta do tratamento!". Foi esse pensamento que me fez correr - depois de dez anos - 5 km inteiros outra vez. Hoje foi apenas o início, terei mais 6 corridas dessas - uma por ano - antes que mais um dos meus sonhos se realize. 

Em dezembro de 2028 estarei lá, na linha de chegada - do consultório -, para pegar, com a Dra. Kelly , a "medalha" mais importante da minha vida.

 




Fotos: Acervo Pessoal Adriana Mani
Essa corrida foi feita e esse texto foi escrito ao som de Flashdance, da Irene Cara.
Canção que tem um significado muito especial para mim. Veja clicando AQUI!

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Reconstrução - Parte II - No meio do caminho havia um útero.

 

Em junho de 2021, quando iniciei o processo de reconstrução mamária, prometi voltar aqui para contar como anda esse processo. A primeira etapa foi um sucesso. Foi feito uma abdominoplastia e, como já havia contado antes aqui, o material foi usado para reconstruir a minha mama esquerda. A cirurgia durou cerca de oito horas e o trabalho da equipe foi incrível. Tive uma ótima recuperação, levando-se em conta que se tratou de uma cirurgia de grande porte, em poucos dias estava super bem. Não senti dores, e a recuperação foi bem menos chata do que imaginei que seria. Três meses depois a mama reconstruída estava com ótimo aspecto e caimento. Antes dos ajustes eu já estava feliz com o resultado, mesmo sem o mamilo esquerdo. No geral posso dizer que foi uma experiência muito gratificante, que me devolveu a sensação de estar inteira outra vez.

Há dois dias fiz a segunda etapa da reconstrução. Ainda estou aqui me recuperando. No meio do caminho, no acompanhamento com a minha ginecologista, descobri que o meu endométrio estava um pouco espesso. Então decidimos tirar também o útero preventivamente. Não foi uma escolha difícil, depois de ter tido sucesso na ooforectomia preventiva em 2019. Dessa forma poderei encarar os anos que faltam, do tratamento hormonal, mais tranquila, sem o medo constante de que um endométrio espesso, por conta do uso do Tamoxifeno, possa aumentar o risco de um câncer de útero. Uma coisa menos para me preocupar. Como a cirurgia plástica da mama já estava marcada conseguimos conciliar as duas e meus médicos, maravilhosos, fizeram as duas no mesmo dia.

Dizendo dessa forma, parece fácil, mas reconstruir sua vida pós câncer de mama não é uma tarefa simples. É necessário passar por muitos desafios e etapas que eu jamais teria escolhido passar, mas que durante toda essa jornada estão me tornando uma pessoa de quem eu gosto mais. Até agora, desde que descobri o câncer, em março de 2018, aconteceram tantas coisas que olhando em retrospecto nem sei como consegui vencer cada uma delas: começou com uma mastectomia radical da mama esquerda, dois meses de quimioterapia que me deixou sem os cabelos e por dias bem debilitada. Em 2019 tive episódios de depressão que me nocautearam, talvez mais que a químio. Ainda em 2019 desenvolvi um cisto imenso no ovário, causado pelo uso da medicação, e decidimos retirar os ovários para aliviar as dores e também como forma de prevenção já que o tratamento do câncer de mama aumenta um pouco o risco de desenvolver câncer de ovários. Nessa época morei por alguns meses em outra cidade e precisava vir todos os meses até São Paulo, para continuar o tratamento. No início de 2020 voltei à São Paulo e as coisas ficaram mais fáceis.

No final de 2020 meu mastologista, pela décima vez, quis me encaminhar para a cirurgia plástica para reconstruir a mama, mas eu só aceitei falar com o cirurgião quando a minha oncologista me declarou em remissão completa da doença em três anos. Isso significa que em três anos a doença não voltou e não houve nenhuma intercorrência que indicasse a possibilidade disso acontecer. Isso quer dizer que nesse momento estou curada, mas que o tratamento e o acompanhamento, que à princípio seriam de cinco anos, ainda não acabou. Mas, não deixou de ser um marco, um motivo de grande comemoração e só então decidi fazer a reconstrução. Depois de retirar o útero a minha onco resolveu estender o tratamento com o hormônio por dez anos, já que estudos novos sugerem maior segurança para a paciente se usado a medicação por mais tempo.

Depois do trabalho mais pesado finalmente eu comecei a me empolgar com a possibilidade de me refazer. Eu já estava completamente desencanada. Pensava, inclusive, em nem fazer a reconstrução, mas quando falei com o Dr. Washington, ele conseguiu me convencer de que eu merecia ter de volta esse pedaço da minha vida e do meu corpo. Ele estava certíssimo! Já na primeira etapa eu percebi que aquela Adriana, de antes do câncer, finalmente estava de volta. E não tenho nem palavras para agradecer o carinho e o cuidado dele, e de toda sua equipe, comigo. Tem sido uma experiência realmente boa depois de tantos percalços.

Eu sempre digo isso e preciso reafirmar que sou uma pessoa de muita sorte, por ter desde o início dessa saga encontrado os melhores médicos e pessoas que eu poderia ter encontrado. Dr. Andrade, meu mastologista, foi muito acertivo em todos os conselhos e recomendações que me deu. Fizemos a melhor escolha ao focar em uma coisa de cada vez. Não quis fazer a reconstrução imediata, preferi tratar a doença primeiro e ter certeza de que ela provavelmente não retornaria. Foi uma escolha muito feliz. Fazer a reconstrução tardia me deu a tranquilidade de concentrar toda minha energia na cura da doença e a possibilidade de encontrar, três anos depois, o Dr. Washington que me apresentou exatamente o tipo de reconstrução que eu queria fazer.

Também conto, nesse tempo todo, com a parceria da Dra. Kelly, minha oncologista, que tem sido um verdadeiro anjo na minha vida. Sempre muito realista comigo, me colocando de frente com as melhores soluções, como ter tirado os ovários, para poder parar de produzir hormônios e entrar logo na menopausa, por exemplo. Esses cuidados todos tem feito toda diferença no meu tratamento. Há um ano conto também com o apoio da Dra. Maria Augusta, que é uma pessoa incrível. Alguém que eu quero como amiga pelo resto dos meus dias. Ela tem sido muito mais que uma médica e terapeuta - porque ela acaba sendo um pouco minha terapeuta também. É alguém que já posso chamar de amiga. Eu tenho muita sorte! Muita! Estou cercada de pessoas que fazem as coisas serem muito mais fáceis para mim. Esse post é também a expressão de toda minha gratidão à eles. Obrigada! De todo meu coração.

Eu costumo dizer que não têm como passar por um tratamento de câncer sem algumas lágrimas, houveram muitas, e sem alguma dor. Também tive muitos dias dolorosos, de muito sofrimento, dúvidas e muito medo. Mas estou aqui para lhes dizer que é possível passar por tudo isso com o menor estrago. Acho que a parte mais importante disso tudo foi eu ter aprendido que algumas coisas eu precisaria passar sozinha, que era preciso abandonar algumas crenças, me desprender de toda e qualquer vaidade e não sofrer lutos desnecessários. Eu quero VIVER! E viver acabou sendo mais importante do que ter seios e cabelos ou não ter olheiras e algumas cicatrizes. É preciso em algum momento decidir e apenas IR!

Essas marcas no meu corpo hoje têm esse significado: EU ESTOU VIVA! Eu estou sobrevivendo há três anos apesar de todo medo e angústias durante o percurso. O que começou de forma tão dolorosa e num abismo de insegurança tem me tornado uma pessoa mais forte. Eu já era muito forte, mas antes eu não sabia disso. Tem me tornado uma pessoa que eu sei quem é e do que é capaz de suportar. Alguém que eu admiro e hoje posso dizer isso sem parecer arrogante. Eu sou uma pessoa incrível, por ter sido corajosa o suficiente de ir, mesmo com medo, mesmo com dor. Essas marcas hoje não doem, juro, não doem nadinha. Talvez, por eu ter me acostumado que para se estar vivo é preciso aprender a conviver com a dor e o medo.

Além de tirar o útero, dessa vez ajustamos a simetria das mamas e reconstrução do mamilo (foi feito um transplante do mamilo da outra mama), que eu ainda não vi, mas tenho certeza de que ficou ótimo. A ultima etapa dessa via crucis agora será a tatuagem da aréola. E ai acabou!

Por mais louco que isso seja, apesar desses hematomas, da lipoaspiração para enxertia na mama, essa pessoa que lhes escreve aqui é uma das pessoas mais felizes desse mundo hoje. Eu estou aqui! Por mim, pelos meus filhos, pelo meu amor, pelos amigos e minha família. E cada dia tenho mais certeza de que ainda vou ficar aqui por um bom tempo.

Que assim seja!

Esse texto foi escrito ao som de "another love" do Tom Odell.

Fotos: acervo pessoal





quinta-feira, 10 de junho de 2021

Reconstrução Mamária - Método Diep

 

O ano era 2018. Logo no início de abril eu recebia um diagnóstico de câncer de mama. A notícia foi um golpe que me deixou sem chão.

Escrevi bastante sobre essa experiência durante toda a parte mais pesada do tratamento. Há quase três anos, em julho de 2018 eu fui submetida a uma mastectomia radical da mama esquerda. Por mais doloroso que isso tenha sido, foi o que me salvou. Assim que abri os olhos na sala de recuperação, a Dra. Letícia imediatamente me disse: "tenho uma ótima notícia! Conseguimos retirar tudo, estava encapsulado, não tinha nenhuma contaminação dos linfonodos, você está livre do câncer. Essa notícia, dada assim de sopetão mudou tudo na aceitação da minha nova condição.

Quando soube que iriam retirar toda a minha mama esquerda, depois de receber toda explicação - perfeita -  do Dr. Andrade, eu "escolhi"não fazer a reconstrução imediata. Apesar de todo sofrimento de saber que seria mutilada, hoje eu entendo que fiz a melhor escolha. Ter retirado a mama toda, sem reconstruir, já me poupou de fazer radioterapia, uma das partes mais dolorosas de todo o tratamento. Além disso, a reconstrução tardia, permitiu que o foco da equipe médica fosse apenas a doença. Nesses quase três anos vivendo sem a minha mama esquerda foram de aprendizados incríveis. Eu já poderia ter reconstruído há um ou dois anos, mas eu quis esperar esses três anos até ter certeza de que a minha remissão estivesse mais perto da cura oficial. 

O marco de três anos em remissão é um motivo de muita comemoração e alegrias, pois venci mais da metade do tratamento, que no meu caso será de 5 anos. Ainda tomo tamoxifeno, ainda faço exames periódicos de três em três meses, mas nesses últimos três anos todas as minhas notícias foram sempre boas, maravilhosas. Depois de um ano da mastectomia eu resolvi retirar os ovários, preventivamente, isso me mantém ainda mais segura, pois consegui zerar a produção dos hormônios que me causaram o câncer. Pela primeira vez, em muito tempo, eu realmente me senti aliviada. Em paz de novo.

Depois de três anos olhando o meu corpo no espelho, convivendo bem com a prótese externa, fiquei expert nas "gambiarras", usava maiô tranquilamente. Sempre passei desapercebida na multidão. Nunca perceberam, a não ser que eu dissesse, que eu não tinha um seio. A convivência feliz com o meu novo corpo, a aceitação e o apoio incondicional do marido, varreram para longe de mim a ideia de reconstruir a mama. Até que em dezembro, numa das consultas com o meu mastologista ele me disse: você está ótima! Está radiante! Você está feliz, saudável e renovada. Vou te encaminhar para a cirurgia plástica, porque chegou o momento de você pensar nisso. Num primeiro momento eu disse categórica que não iria fazer a reconstrução, estava bem com a minha vida. Nunca fui tão feliz como sou hoje. E ele então me disse que esse era o melhor motivo para eu ir e conversar com o cirurgião. Eu fui!

Já cheguei no consultório dizendo que não queria reconstruir, que não queria colocar silicone num momento em que tantas mulheres estavam retirando. Que eu sempre sonhei envelhecer naturalmente, sem nenhum subterfúgio. Que eu sou feliz sendo quem eu sou. Então o Dr. Washington me disse: eu tenho exatamente o que você quer e isso casa perfeitamente com o que você precisa. Então ele me apresentou o modelo de reconstrução mamária feita com meu próprio tecido e que eu poderia envelhecer como sempre sonhei, mas INTEIRA outra vez. Ele me disse muitas coisas que acabaram por me convencer, mas acho que o que realmente me tocou foi quando ele me disse que a vida poderia me devolver tudo o que perdi. Que eu poderia ter de volta o equilíbrio do meu corpo, aposentar as minhas gambiarras e ser, de novo, uma pessoa completa.

Ele me disse isso justamente num momento em que eu vejo que a vida, aos poucos, tem me devolvido coisas que perdi durante esses 49 anos anos da minha existência. Até mesmo o disco do Ritchie, que eu ganhei aos 13 anos e que me roubaram - ganhei outro de aniversário. Reencontrei amigos de quem estava afastada há tempos. Tenho, dia após dia, recuperado pessoas, coisas, lugares, sentimentos e conquistas, que eu julgava perdidas. O mais importante de tudo: tenho reencontrado a mim mesma. Numa longa conversa de quase 2h, o meu médico me convenceu. Decidi recuperar também o meu seio esquerdo, concordando com ele de que a vida, depois de tudo que passei e sofri, me deve sim isso.

Então ele me explicou que faria exatamente o que eu tinha lhe pedido: reconstruir o meu seio, com material do meu próprio corpo, para que eu pudesse virar essa página e seguir envelhecendo normalmente. Ele me falou das maravilhas do novíssimo método DIEP que reconstrói a partir de um retalho abdominal, feito por microcirurgia, com fios mais finos que os meus cabelos, ligando vasos e nervos, o que, além do aspecto mais natural e parecido com o que eu era antes, possibilitará o retorno da sensibilidade da mama. Trocando em miúdos faremos conforme a figura abaixo:

                                             

Depois que me recuperar dessa primeira cirurgia, daqui três meses, ele fará os ajustes, simetria e mamilo. Ainda tenho um pedaço longo pela frente: me recuperar bem desta e encarar a próxima e última. É claro que estou com medo. Quem acompanhou a minha jornada até aqui, sabe dos perrengues todos, das minhas tantas etapas de medo, mas também sabe que eu não me paralisei, enfrentei tudo o que veio pela frente, morrendo de medo, tremendo de medo, mas na hora marcada eu estava lá. Hoje não será diferente. Estou aqui escrevendo porque não consegui dormir. Morrendo de medo de encarar mais 8h de um procedimento extremamente grande e delicado, mas às 7h da manhã estarei na sala de cirurgia do Hospital Sírio-libanês para que o Dr. Washington me devolva o mais próximo possível de quem eu era no início de 2018.

Por mais medo que eu sinta, eu sei que vai dar certo e sei que toda essa experiência tem me tornado uma pessoa  melhor, alguém de quem eu gosto muito. Uma pessoa mais livre e feliz. É claro que dá um frio na barriga colocar meu filho para dormir e saber que daqui a pouco sairei para enfrentar mais um dragão imenso sozinha, mas a diferença é que hoje eu sei que preciso fazer isso sozinha e que ninguém, por mais que me ame, poderá ir comigo ou no meu lugar para enfrentá-lo. Esse dragão, certamente, não será o 
último, mas a cada passo dessa jornada eu me sinto mais forte para ir.

Eu volto, assim que possível, para contar tudo como foi.
Torçam por mim!

Imagem: ShutterStock
Figura: divulgação internet

domingo, 1 de novembro de 2020

Quem abre o vidro pra você?

 

Essa notícia já é bem velha, mas se você assistiu a primeira temporada de Masterchef vai se lembrar - que na final a Elisa não conseguia abrir o vidro de palmitos e então ela corre para o pai abrir pra ela. Desde então eu tenho me perguntado: "quem é que abre o vidro pra você?". Quem é aquela pessoa que está lá no momento que você mais precisa e te ajuda?

E quando você está sozinho, quem, meu Deus, vai abrir esse bendito vidro de palmitos? Hoje eu já aprendi a enfiar a ponta da faca na lateral da tampa - para deixar o ar entrar - e então abro sozinha e sem esforço todos os vidros de conservas da minha vida. Mas até você descobrir que pode, que é capaz, sofre um bocado.

Toda essa metáfora para poder dizer que com o tempo a gente aprende a se virar sozinho. Acho que comecei a perceber que ninguém iria "abrir vidros" pra mim quando eu tinha 12 anos. E hoje, olhando em retrospecto, acho que isso me ajudou a superar e enfrentar muitas coisas complicadas ao longo da vida. Quando você não tem para onde correr, acaba ficando e enfrentando a coisa toda.  

Eu tenho lido bastante sobre narcisismo e temos falado bastante disso na terapia também. O que antes me vitimizava, agora eu sei que foi o que me fez forte. Eu jamais teria ido atrás dos meus sonhos se não tivesse aprendido "abrir minhas próprias conservas". Jamais teria enfrentado meus piores medos: de escuro, de abandono, de dirigir sozinha na estrada, de ficar gravemente doente, de solidão... Eu jamais teria me libertado das amarras invisíveis que me prendiam à situações masoquistas.

A verdade é que, como já disse em outras postagens, a gente está mesmo sozinho. Descobri isso quando precisei soltar da mão do meu marido e entrar sozinha naqueles aparelhos de tomografias, nas salas de cirurgias e quando era o meu braço que eu estendia para aplicarem a quimioterapia. Era só eu que iria sentir o efeito daquilo tudo, por mais que alguém estivesse ali segurando a minha mão. Talvez não tenha sido tão difícil aceitar essa condição, que no fim é a de todos, porque eu já vinha, há muito tempo, tendo que enfrentar meus reveses sozinha.

Ter estado muito tempo por minha conta e risco me deu asas. Pude voar para onde queria e construir meu próprio ninho. Sem isso talvez eu estivesse, ainda hoje, morando em lugares que eu detestava na adolescência, e com pessoas que não me amavam. Talvez não tivesse tido a coragem de pegar minhas coisinhas e ir morar sozinha aos 16 anos, ou ter pego a minha filha e me mandado de volta para São Paulo quando me separei. Certamente não teria corrido imediatamente para descobrir que nódulo era aquele no meu peito e muito menos enfrentado 1100 km de estrada sozinha, com o meu filho pequeno, várias vezes para seguir meu tratamento. Também não teria alugado um quartinho pra voltar, quando precisamos.

Talvez, se eu tivesse dependido, a vida toda, de alguém para abrir minhas "compotas" complicadas. Eu nunca tivesse saído da casa dos meus avós, que me acolheram, ou voltado para a casa deles, em vez de seguir meu caminho. Talvez fosse ainda pior: teria dependido, "da caridade que quem me detesta" ou que alguém cuidasse da minha filha, para eu conseguir trabalhar, pagando um preço bem alto por isso. Mas, eu abri as minhas asinhas murchas, corri com as minhas perninhas magras e trêmulas - morrendo de medo - e me joguei do alto da montanha. Para minha surpresa as asinhas machucadas deram conta daquele primeiro voo. Depois foi só insistir, insistir e insistir.

Isso tudo não significa que não tenho chorado ou que não foi demasiadamente doloroso algumas vezes. Foi difícil não ter "aquele" colo específico para chorar, mas depois que a gente chora, lava o rosto e vai à luta. Eu me emocionei quando a Elisa, sem conseguir abrir o vidro, correu para o pai e ele abriu para ela. Enquanto todo mundo a criticava por ter tido essa ajuda, eu só pensava no quanto aquilo era bonito: ter para quem correr. Saber que tinha alguém ali em quem ela podia confiar. Alguém que estaria ali para ela sempre - ao menos até que ela aprendesse enfiar a ponta da faca na lateral da tampa.

A Elisa ganhou o jogo e eu acho que foi honesto, ela mereceu! E eu também ganhei meu jogo! A diferença entre nós é que ela chegou inteira no final. Pessoas como eu vencem, vencem bastante, mas chegam despedaçadas - pelo esforço contínuo de aprender errando-, sem ter quem o ensine no caminho. Talvez até a gente leve menos tempo para aprender. Elisa, aos 24 anos, foi sozinha para Paris enfrentar o mundo e fazer suas conquistas. Eu consegui cuidar de mim aos 16 anos, não tinha nenhum prêmio na bagagem para me ajudar, mas consegui!


Eu não "abro os vidros de conservas" para os meus filhos, mas desde pequenos vou ensinando como eles devem fazer "para soltar o ar e liberar a pressão da tampa". Em algum momento eles terão que passar por situações  na vida em que precisarão enfrentar sozinhos. Eu nem sempre estarei lá. A mais velha tem se saído muito bem sozinha, mas ela sabe que tem alguém olhando de longe e que se a barra pesar, mas pesar mesmo, ela poderá perguntar: "como eu abro isso, mãe?".


imagens: divulgação masterchef brasil




segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Me livrei do câncer, e agora?


É outubro novamente e a cor rosa está, de novo, em todo canto. Eu não queria mais escrever sobre câncer. Eu só queria esquecer, se eu pudesse, que um dia eu tive câncer. Faz dez meses que não escrevo mais sobre isso. Mas hoje, eu quis falar sobre isso outra vez. Eu devo isso à você que, acabou de receber um diagnóstico de câncer de mama e, está totalmente apavorada e perdida -  como eu estive no começo de abril de 2018. É para você que eu preciso falar.

Nesse momento, se você resolveu abrir o jogo e contar para todo mundo como eu fiz, deve estar recebendo um monte de mensagens de apoio, de pessoas queridas dizendo que estarão ao seu lado e que você é: "guerreira", "forte", "determinada", "corajosa" e "vai tirar de letra". Mas, quando você está sozinha você chora, porque sabe que isso não é verdade. Por mais que seja bom ouvir essas mensagens de encorajamento você sabe que não é tão corajosa assim e que está sentindo o pior medo que já sentiu na sua vida. Que por mais que tenha uma rede de amigos, de familiares amorosos e pessoas que te apoiarão. Você nunca se sentiu tão só, tão absurdamente só, antes. Eu sei exatamente o que você está sentindo.

Há exatos 18 meses eu escrevia nesse mesmo blog um artigo chamado: "Estou com câncer, e agora?", se quiser ler basta clicar ai no título. E desde dezembro - quando terminei a parte mais pesada do tratamento não escrevi mais. Eu só queria esquecer que um dia eu tive câncer - como se isso fosse possível. Não é possível esquecer! Não tem como esquecer algo que está grudado em você e a cada vez que se despir aquela cicatriz imensa estará lá para te lembrar. Não tem como ser a mesma pessoa depois de um câncer, mas existe uma possibilidade muito grande de você se tornar alguém que se conhece bem. Eu não vim aqui trazer uma mensagem de desesperança para você. Ao contrário disso, eu estou aqui para te dizer que é possível sobreviver. Eu sobrevivi! Eu estou sobrevivendo dia após dia desde 16 de março de 2018.

Por mais aterrador que seja esse momento que você está passando. Acredite, quando te dizem que isso vai passar. É verdade! De uma forma ou de outra vai passar! Você não vai sofrer essa angústia terrível eternamente. Aos poucos você vai aprendendo a lidar com o diagnóstico e com cada etapa que virá. Por mais medo que você esteja sentindo agora, não deixe ele te paralisar. Corra! Corra desesperadamente atrás da sua cura, da sua chance de, como eu, sobreviver. Você não vai se tornar a pessoa mais corajosa do mundo, não espere por isso. Não espere se transformar numa heroína para ir. Vá! Vá com medo mesmo! Vá tremendo de medo, chorando de medo, apavorada de medo, mas por favor vá! Todos os dias eu agradeço por ter ido. Por ter corrido o mais rápido que eu pude. Foi o que me salvou.

Eu quero dizer pra você que nem a mastectomia, nem a quimioterapia é pior do que esse momento que você está vivendo HOJE. Descobrir um câncer, não saber a real extensão da coisa, não saber se está no início, no meio ou no fim é apavorante. Você deve estar pensando coisas horríveis. Imaginando que não estará aqui daqui um ano. Eu imaginei isso! Mas a verdade é que a gente não sabe absolutamente NADA sobre a doença, a não ser que passe por ela ou que esteja cuidando de alguém doente. 

Você deve estar com muito medo dos exames todos. Mas você precisa fazê-los. Nesse momento você vai descobrir que a gente é muito mais forte do que supõe. Que a gente é capaz de coisas que nunca imaginou. Que mesmo tremendo de medo você vai dar conta. Não tenha receio de chorar. Chore! Sofra! Sinta! Mas, por favor faça todos os exames que o médico te pedir. Eu sei que é um momento de muita angústia, meu estadiamento levou dois meses e mais vinte dias até o SUS autorizar minha cirurgia. Foram mais 15 dias esperando o resultado da biópsia final. Quatro meses sem dormir. Quatro meses olhando meu filho, de cinco anos, dormindo na caminha dele de madrugada e implorando por uma chance de vê-lo crescer.

Eu abri meus exames, todos! E sofri desgraçada e desnecessariamente por causa disso. Por favor peça ajuda, se não conseguir evitar, mas não faça isso. A gente abre os exames não entende porcaria nenhuma, corre pro google e ele vai te dizer que você está morrendo, mesmo que não esteja. Espere o parecer do seu médico, por mais ansiosa que esteja, espere o seu médico te dizer a real situação do seu caso. Ele não vai mentir pra você.

Não acredite que uma planta milagrosa vai curar você. Por favor, não abandone o seu tratamento convencional. Muitas vezes a planta que reagiu bem no organismo de uma pessoa, não vai funcionar para você. O que, comprovadamente, pode curar um câncer de mama é quimioterapia, radioterapia, cirurgia e tratamentos hormonais adjacentes. Fora isso é tudo especulação que as pessoas disseminam sem a menor responsabilidade. Por mais complicada que seja a sua situação, acredite, a medicina está bem avançada, em se tratando de câncer de mama, e é possível ter uma qualidade de vida mesmo em tratamentos paliativos. Nessa minha jornada, conheci pessoas que se tratam há 19 anos de metástases ósseas, vivendo relativamente muito bem. NÃO DESISTA!

Se afaste drasticamente, seja de quem for, que vier te contar casos terríveis de pessoas que sucumbiram à doença. De pessoas que de alguma forma te desencorajem. Algumas pessoas vão se revelar completamente cruéis ou sem noção alguma. Não permita que ninguém tire a esperança do seu coração. Não existe um tumor idêntico a outro. Cada um é único e reage de forma diferente em cada organismo, portanto não tem como comparar com ninguém. Já vi casos desoladores, no hospital, de me fazerem chorar, que a pessoa fez a cirurgia e o monstro não era tão terrível quanto se mostrava e a pessoa renasceu das cinzas. Já vi casos simples se complicarem também. Se concentre em si mesma e NÃO DESISTA! 

Aguente firme cada uma das etapas. Em algumas situações, mesmo que tenha alguém que te ama ao seu lado, existirão momentos, que você terá de enfrentar tudo sozinha. Por mais que estejam ao seu lado você terá que entrar sozinha naquelas máquinas de exames. É na sua veia que vão aplicar a medicação. Terão momentos em que você vai se sentir muito fraca, impotente, debilitada, quase sem forças, mas você vai passar por isso também! Quando você se olhar no espelho sem cabelos, com olheiras profundas, completamente frágil e insegura. Lembre-se: isso significa que o remédio está fazendo efeito. As pessoas se iludem muito com as aparências. No dia que eu descobri o câncer eu estava linda! Meus cabelos estavam do jeito que eu sempre quis ter. Meus seios estavam lindos - exuberantes. Minha pele saudável, sobrancelhas grossas - esse foi o momento em que estive mais doente. Nos dias em que estava mais debilitada, mutilada, cansada e destruída pela quimioterapia, eu me olhava no espelho e dizia a mim mesma: essa é a cara de uma pessoa livre do câncer. Nesses momentos eu ligava a música "Na estrada" da Marisa Monte, no último volume e cantava berrando junto, algo mais ou menos assim:

"Ela vai voltar, vai chegar! 
 E se demorar I´ll wait for you (eu esperarei por você)!
 Ela vem e ninguém mais bela, vem em minha direção!
 Seu horário nunca é cedo e quando escondo a minha olheira 
 É pra colher amor."

Doía muito me ver tão frágil, mas não tem como passar por um câncer sem algum tipo de dor. Eu chorava quando precisava chorar, sofria o que precisava sofrer, mas no dia e na hora marcada eu estava lá para enfrentar tudo e receber a minha cura.

Hoje, numa entrevista sobre o outubro rosa, para um jornal do Paraná, me perguntaram: "Quem é a Adriana depois do Câncer?" E eu respondi o seguinte:

Eu ainda estou no primeiro, de cinco anos, de tratamento. Em julho fez um ano que tirei a mama, o tumor foi completamente removido na cirurgia e não havia nenhum comprometimento por metástases. No dia 31 de outubro de 2019 faz um ano que terminei a minha última quimioterapia. Eu fiz uma quimioterapia adjacente, como prevenção. Comecei a tomar o tamoxifeno em dezembro. Há cerca de quinze dias fiz uma ooforectomia preventiva. Eu não tinha entrado na menopausa com o tamoxifeno e ainda estava com a produção hormonal muito alta, isso poderia ser ruim porque o tumor que tive foi causado por excesso de hormônios e eu precisava cessar a produção de estrógeno e progesterona. Depois disso tudo então eu hoje sou alguém em recuperação.

Uma pessoa se recuperando do trauma de ter tido um câncer. Se recuperando e aprendendo a conviver com as sequelas da mastectomia, da quimioterapia e da ooforectomia. Eu fiz apenas quatro ciclos da quimioterapia chamada "branca", mas as minhas doses eram altíssimas - normalmente se aplica 20ml, por eu estar forte e bem de saúde, tomei 80ml em cada sessão. Segundo a minha oncologista o meu organismo levará cerca de dois anos para se recuperar totalmente da quimioterapia. Falta um ano! 

A medicação tem efeitos colaterais como ansiedade e depressão. Além disso morei por oito meses longe do hospital onde me trato, dos amigos e familiares e isso me deu muita insegurança. Eu passei esse ano de 2019 muito deprimida, sem saber lidar com tantas informações e mudanças. Ainda não me reconheço no espelho. Às vezes me pergunto se aquela Adriana - do início de 2018 - vai voltar ou não. Eu ainda não sei. Talvez eu eu nunca mais deixe de sentir medo. Mas eu vou enfrentar cada um deles. Como enfrentei os últimos dez dias esperando o resultado da biópsia dos ovários. Como fiz, há dois meses, dirigindo sozinha, com o meu filhinho, de Porto Alegre até São Paulo para não perder meus exames e consultas.  Eu também estava apavorada no último dia 25 de setembro de 2019, quando entrei naquela sala de cirurgia para tirar os meus ovários, mas na hora marcada eu estava lá. 

Eu sou essa ai! Despeitada! Terei que encarar ainda pelo menos mais duas cirurgias plásticas, se quiser ter peito um dia de novo. Com uma cicatriz imensa que não me deixa esquecer que tive um câncer, mas que também me lembra que eu me livrei dele. Com os cabelos crescendo encaracolados pelas drogas da quimioterapia que ainda estão saindo do meu corpo. Uma mulher de 47 anos se refazendo dos efeitos da químio. Tendo que usar óculos porque a visão também foi afetada pelo tratamento, mas estou aqui... Me recuperando! E enquanto a vida permitir eu vou tentar ficar aqui por mais tempo. Tremendo, aterrorizada, morrendo de medo, mas farei o que for preciso pra ficar mais tempo com as pessoas que amo e criando meu filho ainda tão pequeno.


NOTA: Eu escrevi sobre a minha jornada em busca da cura, de abril à dezembro de 2018.
Basta clicar na TAG: Câncer.
E se você precisa ou se quer conversar sobre isso, mas não tem com quem falar. Me procure. Nos meus piores momentos o que mais me acalmou foi conversar com mulheres que estavam no meio ou no final do tratamento. Eu fui acolhida por essas elas, fui amparada e foram as únicas pessoas que realmente entendiam (e entendem até hoje) toda a complexidade do que estava/estou vivendo. Eu as chamo de amigas do peito. E eu quero muito fazer isso por outras mulheres também. Eu devo isso à você. 

Fotos: Acervo pessoal e Mulher Maravilha - divulgação (retirado do instagram da Fernanda Young)

Trilha sonora: Gunship - When you grow up your heart dies

domingo, 13 de janeiro de 2019

Ibira Mon Amour



Todo mundo, ainda que não saiba, tem o seu lugar preferido. O seu lugar preferido no mundo todo, como costumo dizer. O meu, sem a menor sombra de dúvidas, se chama Ibirapuera. Desde a primeira vez que visitei o parque, ainda criança, fiquei encantada com toda imensidão e beleza diante dos meus olhos.

Existe um momento na vida da gente em que, mesmo sem perceber, decidimos as coisas que serão sempre uma parte importante da nossa vida. Naquela tarde distante, no início dos anos 80, em que passei umas poucas horas correndo pelo parque, eu declarei que aquele era o meu canto favorito do mundo. Eu devia ter uns 12 anos. Logo depois fui embora para longe.

Anos mais tarde eu estava de volta. Vim à passeio, mas quando reencontrei o meu paraíso particular, eu já não podia mais viver sem ele. Voltei de vez! Voltei pra ficar (ao menos é isso que eu imagino). E não bastava mais morar na mesma cidade e frequentá-lo de vez em quando. Eu precisava vivê-lo, precisava respirá-lo e estar aqui sempre que quisesse. Há treze anos moro ao lado do parque, que chamo de meu quintal.

Quase todas as manhãs, quando o dia começa despontar, eu calço meu tênis e é lá que eu saúdo o meu novo dia. É para lá que corro sempre que acontece algo comigo. Qualquer coisa! É entre as suas generosas e frondosas árvores e o barulho dos pássaros que eu enxugo as minhas lágrimas, agradeço as felicidades, curo minhas dores e me sinto viva.

Foi para lá que eu corri imediatamente quando apareceu um nódulo no meu seio esquerdo, e eu nem sabia ainda o que era. Foi para o Ibirapuera que eu contei primeiro o meu maior temor naquele momento. 

Dias depois, já com o diagnóstico de "carcinoma ductal invasivo", eu corria novamente para o meu bosque. E olhando aquele verde intenso, a cor mais linda que já vi, eu chorei alto o meu choro mais dolorido, e em seguida decidi que queria continuar viva, que queria continuar levando meu filho todas as tardes para que ele continue crescendo nesse lugar. 

O Ibirinha, como carinhosamente Tomás e eu o chamamos, me acolheu, como sempre. Muitas vezes eu já entrei despedaçada, com o coração apertado, nas suas trilhas e enquanto corria ia me refazendo, me consertando, me remendando e curando.  Com o câncer não foi diferente.

Quando você recebe um diagnóstico complicado desses, é impossível não pensar na efemeridade da sua existência. Quando encarei de frente o fato de que não viverei eternamente e fiz o meu balanço interno, sendo o mais honesta possível comigo mesma, surpreendentemente descobri que poucas coisas ainda me prendem à esse mundo. Eu partiria com saudades de muitos amigos, familiares e pessoas queridas. Muitas mesmo, mas eu estaria pronta para dizer até logo a todos eles - porque eu realmente acredito em um até logo. Mas, não poderia ainda dizer isso ao meu marido e meus filhos. E quando pensei no que mais me faria falta nesse mundo, em todos os lugares onde já estive, onde fui feliz e gosto, de todos eles o único lugar que me fez chorar, por ter que deixá-lo, foi o Parque Ibirapuera. 

Desde que voltei morar em São Paulo e viver ao lado do parque, todos os grandes acontecimentos da minha vida passaram a ter uma relação direta com ele. Depois de sonhar tantos anos com o amor da minha vida, foi ali, no gramado do laguinho, que percebi o quanto estava apaixonada - pela pessoa mais incrível que eu já havia conhecido. Naquele dia eu realizei um desejo que guardava, há muito tempo, de ter um dia inteiro perfeito: com o céu azul sem nenhuma nuvem, a grama verde numa tarde quente. Foi olhando as carpas no jardim japonês, que há dez anos Diego me pediu em casamento. E foi lá, no Ibira, que eu disse o melhor e mais importante sim de toda a minha vida.

No mesmo lugar onde chorei a morte do meu avô e me curo da dor da sua ausência, cinco anos depois, nas mesmas trilhas, me mantive saudável, durante toda a gestação do Tomás.  O Parque foi o primeiro lugar onde eu levei o meu filho, recém nascido, para passear. Ele tinha apenas 15 dias. E ali ele mamou no meu seio, aprendeu a engatinhar, a caminhar, correr, andar de bicicleta e aprenderá a patinar em breve. É onde ele vive as suas aventuras e fantasias mais incríveis. Ele está crescendo tendo a floresta encantada como testemunha. Ele só tem cinco anos, mas já ama o parque tanto quanto eu.

Todas as tardes livres, em que eu pergunto ao Tomás o que ele quer fazer, a sua única e certeira resposta é: "eu quero ir no Ibirinha!". Isso me enche de orgulho e felicidade. O Ibirapuera não é apenas um lugar para nós. Ele é o nosso quintal. É onde o meu filho, apesar de morar em apartamento, numa cidade grande, pode correr livre, tomar banho de chuva, colher frutas no pé, subir em árvores, conhecer pássaros, ver animaizinhos e ter a mesma liberdade que eu tinha na minha infância vivendo numa cidadezinha com menos de dez mil habitantes. 

Tomás é uma das crianças mais felizes que eu já conheci. Tenho certeza que esse pedacinho de chão é o responsável por isso. Ele é dono das tardes mais perfeitas que uma criança poderia ter. Seja com amigos ou sozinho, ele sempre volta, sujo, cansado e intensamente feliz para casa. E eu sei que ele está criando as melhores lembranças que terá na vida.

O mais impressionante é que nós nos sentimentos completamente retribuídos nesse amor. Em cada sombra de árvore num dia quente, em cada brisa fresca que sopra do lago e em cada folha seca caída no chão.

Eu tenho o privilégio imenso de poder escrever e falar sobre isso na "Revista do Ibirapuera". Até isso consegui juntar: o meu lugar preferido no mundo com o que eu mais gosto de fazer nessa vida. Escrever. É uma troca intensa de amor. O Ibirapuera se tornou o meu lar e da minha família.

Eu não sei o que o futuro me reserva. Talvez eu precise, um dia, dizer até breve a este meu lugar tão querido. Mas certamente um pedaço grande do meu coração vai sentir muito. Vai doer demais esse "até logo!" Quando penso em quantas coisas já vivi nesse lugar e em quantas coisas ainda quero viver, uma vida inteira parece tão pouco. Eu quero envelhecer e continuar a caminhar ao lado do meu filho e marido por entre essas árvores e trilhas. Quero poder apresentá-lo a tanta gente ainda, continuar descobrindo coisas novas a cada dia e poder um dia ver meus netos redescobrindo tudo de novo. 

Enquanto eu me curava do câncer o Ibira também me curava e muitas outras coisas. Era onde eu me desesperava e me refazia. Era o único lugar onde eu me sentia à salvo nos piores dias. Era onde recobrava minhas forças durante a quimioterapia e recarregava as baterias para mais um ciclo.  Talvez eu não tivesse me restabelecido tão bem, a cada ciclo, sem esse oásis por perto. Eu ainda estou me recuperando da jornada. É por entre os seus caminhos que eu me silencio e escuto a minha voz interior, onde me encho de coragem e esperança para continuar.

Gratidão é tudo o que define o meu sentimento ao Ibirapuera nesse instante. E espero que todas as pessoas, que um dia estiverem à frente desse lugar, saibam que ele é muito mais que um lugar onde se pode lucrar. Ele simplesmente é a razão de viver de algumas pessoas. Então espero que cuidem bem, preservem-no e não o tratem como apenas mais um meio de se fazer dinheiro. O Ibira é o lugar onde quero estar por toda eternidade quando as minhas cinzas forem tudo o que restar de mim.
(Rua do "Arigatô" - Obrigado)