domingo, 25 de setembro de 2022

5 km de gratidão e esperança!

Hoje foi um dia muito especial para mim. Há quatro anos, como sabem, fiz um tratamento muito intenso contra um câncer de mama. No dia, 24 de julho de 2018, quando acordei da mastectomia no hospital, prometi a mim mesma que um dia faria a corrida de 5 km promovida pelo hospital. Desde 1998, no início da campanha de "O Câncer de Mama No Alvo da Moda", comprava as camisetas, que eram vendidas em prol do tratamento de câncer, sem nunca imaginar que estava colaborando justamente com o mesmo hospital que um dia salvaria a minha vida: o IBCC, que agora se chama São Camilo Oncologia.

Nesses últimos 4 anos passei por uma mastectomia radical da mama esquerda, fiz 4 ciclos de quimioterapia, tive alopecia e sequelas da químio, em 2018. Faço hormonoterapia e acompanhamento oncológico por dez anos. Só terei alta e serei declarada oficialmente curada em 2028. Foram exatamente 2 anos inteiros para me recuperar totalmente dos efeitos da quimioterapia. 1 ano de fisioterapia para a pele, que foi esticada na mastecto, não aderir aos ossos do meu tórax, que doía muito. 

Em 2019 retirei, preventivamente, os ovários e em 2021 o útero. Ainda em 2021 passei por 2 cirurgias plásticas de grande porte, para reconstruir a mama, sem precisar colocar silicone, e fiz um autotransplante de mamilo, retirando um pedaço da mama direita e enxertando na esquerda reconstruída. Fiz mais 1 ano de fisioterapias diversas para colocar o ombro no lugar e ajudar na cicatrização. Foi necessário depois de tantas cirurgias, pontos e pele repuxadas. Desde junho de 2022 faço um tratamento para suavizar e clarear as cicatrizes e precisei de 2 sessões de tatuagens para refazer a auréola em torno do mamilo da mama reconstruída.

Só então, depois disso tudo, já totalmente recuperada, voltei a caminhar no início de 2022 e a correr cerca de 1 km desde julho deste mesmo ano. Fiz a minha inscrição para correr os 5 km, antes mesmo de conseguir correr esse primeiro quilômetro. Hoje, 25 de setembro de 2022, às 7 h, mesmo sem um treino mais específico, estava lá na largada, junto dos meus amores, para vencer mais esse desafio. 

Essa corrida foi ainda mais especial, pois, além de ter passado por um câncer de mama, foi um momento de outra superação pessoal. Há dez anos, em 2012, eu tinha 40 anos, pesava 52 kg e treinava quase que diariamente, fiz 5 km em 40 minutos na meia maratona de SPaulo daquele ano. Hoje, aos 50 anos, pesando 10 kg a mais e sem treinar corrida para valer, fiz os mesmos 5 km em menos de 38 minutos. 

Desde o primeiro momento essa corrida me emocionou muito. Estar ali na largada rodeada por uma multidão, me lembrando de cada pedacinho superado nesses últimos quatro anos, foi indescritível e será inesquecível. Muitas pessoas ao meu lado também estavam emocionadas, por terem passado pelo mesmo ou por ter ainda alguém que ama em tratamento. Foi realmente um momento único. Ao mesmo tempo tão solitário, com a minha música preferida tocando em looping no meu fone de ouvido, e em meio a uma multidão correndo ao meu lado com o mesmo propósito de chegar. Impossível descrever esse sentimento, foi maravilhoso.


Eu dediquei a minha corrida à uma amiga muito especial, a Rosário, que ainda está na batalha vencendo, bravamente, dia após dia cada um dos obstáculos que essa enfermidade tão complexa nos impõe. Foi muito gratificante poder dividir esse momento com ela e de alguma forma levar um pouco mais de fé e esperança para alguém que gosto muito.

Também foi emocionante receber o abraço tão afetuoso, tão apertado e acolhedor da minha querida amiga Natália, que madrugou nesse dia tão gelado para estar lá e me ver chegar. Os abraços: dela, do Diego e do meu Tomás, fez com que eu me sentisse uma pessoa muito amada. Um serzinho muito feliz e cercada de muito afeto.

Eu tenho muita sorte nessa vida, sempre tive! E nesses últimos 4 anos superei tantos medos, inseguranças, tantos traumas, sofrimentos e dificuldades que só consigo ficar imensamente GRATA por tudo que passei até aqui. Me arrisco até a dizer que, apesar de tão intenso e difícil que tenha sido o tratamento, eu me transformei numa pessoa de quem eu gosto muito. Me tornei uma pessoa tão feliz que não posso me queixar de absolutamente nada do que passei. Estar aqui hoje realizando sonhos, conquistando tantas coisas importantes, dando e recebendo tanto amor, fez valer cada sofrimento pelos quais passei.

Enquanto corria eu agradecia -  por tantas coisas incríveis que venho recebendo desde março de 2018 - e imaginava a minha médica esperando por mim lá na linha de chegada - com aquela risada gostosa que ela tem - dizendo, assim que eu cruzasse a linha final: "parabéns Adriana, você conseguiu, está TOTALMENTE CURADA e de alta do tratamento!". Foi esse pensamento que me fez correr - depois de dez anos - 5 km inteiros outra vez. Hoje foi apenas o início, terei mais 6 corridas dessas - uma por ano - antes que mais um dos meus sonhos se realize. 

Em dezembro de 2028 estarei lá, na linha de chegada - do consultório -, para pegar, com a Dra. Kelly , a "medalha" mais importante da minha vida.

 




Fotos: Acervo Pessoal Adriana Mani
Essa corrida foi feita e esse texto foi escrito ao som de Flashdance, da Irene Cara.
Canção que tem um significado muito especial para mim. Veja clicando AQUI!

quinta-feira, 24 de março de 2022

Flash & dance!

No mesmo instante em que o farol fechou na avenida Santo Amaro, em São Paulo - SP, a minha playlist do carro começou a tocar "what a feeling", sucesso absoluto nos anos 1980. O termômetro na rua marcava mais de 32 graus e o céu estava num azul magnífico. Eu estava indo encontrar uma amiga e o trânsito lento me deu tempo para pensar na vida. 
Enquanto ouvia a canção, tão velha minha conhecida, lembrei do filme Flashdance, o mesmo que fez a música, que tocava, ser o único hit de sucesso da Irene Cara no Brasil. Apertei o repete e enquanto os carros à minha frente não saiam do lugar eu cantava, o que lembrava, a plenos pulmões. 

As lembranças começaram a pipocar na minha cabeça: as cenas do filme, as danças na escola, a primeira vez que ouvi a música na "Bianca FM" e quando dei por mim estava, outra vez, no sol escaldante que fazia em 1988, no poeirão daquela cidadezinha, à quase 3 mil quilômetros longe daquele farol vermelho.

Eu tinha apenas 16 anos, mas já estava no meu terceiro emprego. Morava à 2 quilômetros longe do trabalho e ganhava meio salário mínimo por mês para fazer aquele percurso, ao menos quatro vezes ao dia. Quase sempre sob uma temperatura sufocante de 38 graus e sem filtro solar! Eu trabalhava para advogados inescrupulosos - que me exploravam descaradamente - mas eu só fui conhecer os meus direitos trabalhistas quando voltei definitivamente para SPaulo, muito tempo depois. 

O meu salário não pagava sequer uma calça jeans. Eu tinha casa e comida na casa da minha tia, mas a minha roupa e tudo mais já eram por minha conta fazia tempo. A calça eu precisei pagar, em cinco prestações, assinando uma promissória amarela, sem firma reconhecida. E debaixo daquele sol impiedoso eu ia para o trabalho com a minha fitinha cassete, que o Devaelton gravou para mim, tocando a música do filme no meu "walkman". E me distraia pensando na vida que um dia eu queria ter. 

Enquanto a Irene Cara se esgoelava no meu fone de ouvido eu imaginava que um dia voltaria a morar em São Paulo e que eu teria uma família linda, imensa! Estaria casada com uma cara super gente boa, que frequentaria lugares (e pessoas) interessantes e que não ia mais precisar andar tanto no meio daquela poeira sem fim. Eu teria um carro (quem sabe) e em vez de agradecer por chegar na asfaltada avenida Presidente Dutra, lá no quintos dos infernos, eu estaria parada num farol qualquer da avenida Paulista olhando os prédios e as pessoas na faixa de pedestre. Pensava nas árvores lindas do Parque Ibirapuera, por onde eu andaria léguas, mas só por prazer.

Quando o farol abriu e os carros começaram a andar, eu diminuí ainda mais a temperatura do ar condicionado e aumentei ao máximo o volume da música. Trinta e quatro anos me separam daquela fitinha surrada no meu walkman e a playlist do meu celular ali ligada no meu carro, mas já fazem mais de vinte anos que os meus sonhos - daquela manhã empoeirada - se realizaram. A música continuou tocando repetidamente até eu estacionar e ir encontrar a minha amiga, uma talentosíssima, e linda, fotografa de arte.

Fotos 1 e 2: Loredana Vianello

O lugar onde íamos nos encontrar estava fechado e quando o nosso plano inicial falhou fomos até o centro. Comemos um bolo maravilhoso numa doçaria portuguesa e conversamos por horas e horas e horas. Depois resolvemos ir até Perdizes encontrar um amigo dela e assim que liguei o carro a Irene começou a berrar novamente. A minha amiga se animou e começou a cantar junto. O dia foi ficando cada vez melhor. Ela nos filmou enquanto cantávamos e passávamos pelo Minhocão - uma verdadeira galeria a céu aberto. Encontramos o amigo dela, um artista incrível -  cujas obras são lindas -  que nos levou até o seu ateliê, nos fez um café fresquinho e ainda tocou violão para a gente. Nem preciso dizer que a casa dele é linda, cheia de plantas, de arte e de vida. Voltamos para casa com a certeza de termos vivido uma das tardes mais legais já que passamos juntas. Quando ela me mandou os vídeos das nossas cantorias eu percebi que as nuvens tinham a forma desse gigantesco coração, na foto 1 ai de cima. 

Em casa encontrei aquele cara super gente boa - meu marido -,o meu caçula Tomás, que tinha acabado de chegar da escola e veio me abraçar, a filhota de consideração - que importei lá do Xingu - assistindo uma série na TV. Pensei na minha polaca maravilhosa, minha primogênita na casinha dela, junto do meu genro querido e agradeci uma vez mais pela vida ser sempre tão generosa comigo e ter me dado uma família perfeita!

Agora, enquanto escrevo, o sono começou a bater e preciso dormir. Amanhã acordo cedo para andar os meus nove quilômetros diários. Eu caminho, por lazer hoje em dia, cinco vezes por semana num caminho lindo! Repleto de árvores imensas e flores, cheio de recadinhos amorosos e de gente feliz caminhando ao meu lado. Amanhã, às sete, quando eu colocar o fone de ouvido e apertar o play na música a Irene vai berrar outra vez e eu certamente vou dançar (e cantar) sozinha enquanto espero para atravessar o farol da Washington Luiz, como faço todas as manhãs.




Fotos 3, 4, 5 e 6 - acervo pessoal Adriana Mani

Nota: esse texto foi escrito ao som de What a Feeling - Irene Cara. A 22º canção de maior sucesso na história da música, segundo a Wikipédia.

Em tempo: 
A tradução do que eu cantava (sem saber) lá em 1988 enquanto sonhava com a vida que queria ter:

"Primeiro, quando não há nada
Apenas o vislumbre de um sonho
Que o seu medo parece esconder
Bem lá no fundo da sua mente

Eu chorei sozinha em silêncio
Lágrimas cheias de orgulho
Em um mundo feito de aço
Feito de pedras.

Então eu ouço a música
Fecho meus olhos, sinto o ritmo
Me envolve, e abraça
O meu coração

Que sentimento!
Acredite!
Eu posso conseguir tudo.
Agora estou dançando pela minha vida

Pegue sua paixão
E faça acontecer
Imagens ganham vida e você poderá dançar a sua vida inteira.

Agora eu ouço a música
Fecho meus olhos, eu sou o ritmo
E de repente, ela toma conta
Do meu coração

Que sentimento!
Acredite!
Eu posso conseguir tudo.
Agora estou dançando pela minha vida

Sinta sua paixão

Que sensação! (Eu sou música agora)
Acredite! (Eu sou ritmo agora)
Imagens ganham vida
Você pode dançar a sua vida inteira

Que sensação! (Eu posso realmente conseguir tudo)
Que sensação! (imagens ganham vida quando eu chamo)
Eu posso ter tudo (Eu realmente posso conseguir tudo)
Ter tudo (Imagens ganham vida quando eu chamo)

(Chamo, chamo, chamo, chamo, que sensação)
Eu posso conseguir tudo (Acredite)
Acredite! (Sinta sua paixão)
E faça isso acontecer (Faça isso acontecer)
Que sensação! (Que sensação)
Acredite! (Acontecer)
Sinta a paixão (Acontecer)
Acredite!"

fonte: Letras - Composição: Giorgio Moroder / Irene Cara / K. Forsey