segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Reconstrução - Parte II - No meio do caminho havia um útero.

 

Em junho de 2021, quando iniciei o processo de reconstrução mamária, prometi voltar aqui para contar como anda esse processo. A primeira etapa foi um sucesso. Foi feito uma abdominoplastia e, como já havia contado antes aqui, o material foi usado para reconstruir a minha mama esquerda. A cirurgia durou cerca de oito horas e o trabalho da equipe foi incrível. Tive uma ótima recuperação, levando-se em conta que se tratou de uma cirurgia de grande porte, em poucos dias estava super bem. Não senti dores, e a recuperação foi bem menos chata do que imaginei que seria. Três meses depois a mama reconstruída estava com ótimo aspecto e caimento. Antes dos ajustes eu já estava feliz com o resultado, mesmo sem o mamilo esquerdo. No geral posso dizer que foi uma experiência muito gratificante, que me devolveu a sensação de estar inteira outra vez.

Há dois dias fiz a segunda etapa da reconstrução. Ainda estou aqui me recuperando. No meio do caminho, no acompanhamento com a minha ginecologista, descobri que o meu endométrio estava um pouco espesso. Então decidimos tirar também o útero preventivamente. Não foi uma escolha difícil, depois de ter tido sucesso na ooforectomia preventiva em 2019. Dessa forma poderei encarar os anos que faltam, do tratamento hormonal, mais tranquila, sem o medo constante de que um endométrio espesso, por conta do uso do Tamoxifeno, possa aumentar o risco de um câncer de útero. Uma coisa menos para me preocupar. Como a cirurgia plástica da mama já estava marcada conseguimos conciliar as duas e meus médicos, maravilhosos, fizeram as duas no mesmo dia.

Dizendo dessa forma, parece fácil, mas reconstruir sua vida pós câncer de mama não é uma tarefa simples. É necessário passar por muitos desafios e etapas que eu jamais teria escolhido passar, mas que durante toda essa jornada estão me tornando uma pessoa de quem eu gosto mais. Até agora, desde que descobri o câncer, em março de 2018, aconteceram tantas coisas que olhando em retrospecto nem sei como consegui vencer cada uma delas: começou com uma mastectomia radical da mama esquerda, dois meses de quimioterapia que me deixou sem os cabelos e por dias bem debilitada. Em 2019 tive episódios de depressão que me nocautearam, talvez mais que a químio. Ainda em 2019 desenvolvi um cisto imenso no ovário, causado pelo uso da medicação, e decidimos retirar os ovários para aliviar as dores e também como forma de prevenção já que o tratamento do câncer de mama aumenta um pouco o risco de desenvolver câncer de ovários. Nessa época morei por alguns meses em outra cidade e precisava vir todos os meses até São Paulo, para continuar o tratamento. No início de 2020 voltei à São Paulo e as coisas ficaram mais fáceis.

No final de 2020 meu mastologista, pela décima vez, quis me encaminhar para a cirurgia plástica para reconstruir a mama, mas eu só aceitei falar com o cirurgião quando a minha oncologista me declarou em remissão completa da doença em três anos. Isso significa que em três anos a doença não voltou e não houve nenhuma intercorrência que indicasse a possibilidade disso acontecer. Isso quer dizer que nesse momento estou curada, mas que o tratamento e o acompanhamento, que à princípio seriam de cinco anos, ainda não acabou. Mas, não deixou de ser um marco, um motivo de grande comemoração e só então decidi fazer a reconstrução. Depois de retirar o útero a minha onco resolveu estender o tratamento com o hormônio por dez anos, já que estudos novos sugerem maior segurança para a paciente se usado a medicação por mais tempo.

Depois do trabalho mais pesado finalmente eu comecei a me empolgar com a possibilidade de me refazer. Eu já estava completamente desencanada. Pensava, inclusive, em nem fazer a reconstrução, mas quando falei com o Dr. Washington, ele conseguiu me convencer de que eu merecia ter de volta esse pedaço da minha vida e do meu corpo. Ele estava certíssimo! Já na primeira etapa eu percebi que aquela Adriana, de antes do câncer, finalmente estava de volta. E não tenho nem palavras para agradecer o carinho e o cuidado dele, e de toda sua equipe, comigo. Tem sido uma experiência realmente boa depois de tantos percalços.

Eu sempre digo isso e preciso reafirmar que sou uma pessoa de muita sorte, por ter desde o início dessa saga encontrado os melhores médicos e pessoas que eu poderia ter encontrado. Dr. Andrade, meu mastologista, foi muito acertivo em todos os conselhos e recomendações que me deu. Fizemos a melhor escolha ao focar em uma coisa de cada vez. Não quis fazer a reconstrução imediata, preferi tratar a doença primeiro e ter certeza de que ela provavelmente não retornaria. Foi uma escolha muito feliz. Fazer a reconstrução tardia me deu a tranquilidade de concentrar toda minha energia na cura da doença e a possibilidade de encontrar, três anos depois, o Dr. Washington que me apresentou exatamente o tipo de reconstrução que eu queria fazer.

Também conto, nesse tempo todo, com a parceria da Dra. Kelly, minha oncologista, que tem sido um verdadeiro anjo na minha vida. Sempre muito realista comigo, me colocando de frente com as melhores soluções, como ter tirado os ovários, para poder parar de produzir hormônios e entrar logo na menopausa, por exemplo. Esses cuidados todos tem feito toda diferença no meu tratamento. Há um ano conto também com o apoio da Dra. Maria Augusta, que é uma pessoa incrível. Alguém que eu quero como amiga pelo resto dos meus dias. Ela tem sido muito mais que uma médica e terapeuta - porque ela acaba sendo um pouco minha terapeuta também. É alguém que já posso chamar de amiga. Eu tenho muita sorte! Muita! Estou cercada de pessoas que fazem as coisas serem muito mais fáceis para mim. Esse post é também a expressão de toda minha gratidão à eles. Obrigada! De todo meu coração.

Eu costumo dizer que não têm como passar por um tratamento de câncer sem algumas lágrimas, houveram muitas, e sem alguma dor. Também tive muitos dias dolorosos, de muito sofrimento, dúvidas e muito medo. Mas estou aqui para lhes dizer que é possível passar por tudo isso com o menor estrago. Acho que a parte mais importante disso tudo foi eu ter aprendido que algumas coisas eu precisaria passar sozinha, que era preciso abandonar algumas crenças, me desprender de toda e qualquer vaidade e não sofrer lutos desnecessários. Eu quero VIVER! E viver acabou sendo mais importante do que ter seios e cabelos ou não ter olheiras e algumas cicatrizes. É preciso em algum momento decidir e apenas IR!

Essas marcas no meu corpo hoje têm esse significado: EU ESTOU VIVA! Eu estou sobrevivendo há três anos apesar de todo medo e angústias durante o percurso. O que começou de forma tão dolorosa e num abismo de insegurança tem me tornado uma pessoa mais forte. Eu já era muito forte, mas antes eu não sabia disso. Tem me tornado uma pessoa que eu sei quem é e do que é capaz de suportar. Alguém que eu admiro e hoje posso dizer isso sem parecer arrogante. Eu sou uma pessoa incrível, por ter sido corajosa o suficiente de ir, mesmo com medo, mesmo com dor. Essas marcas hoje não doem, juro, não doem nadinha. Talvez, por eu ter me acostumado que para se estar vivo é preciso aprender a conviver com a dor e o medo.

Além de tirar o útero, dessa vez ajustamos a simetria das mamas e reconstrução do mamilo (foi feito um transplante do mamilo da outra mama), que eu ainda não vi, mas tenho certeza de que ficou ótimo. A ultima etapa dessa via crucis agora será a tatuagem da aréola. E ai acabou!

Por mais louco que isso seja, apesar desses hematomas, da lipoaspiração para enxertia na mama, essa pessoa que lhes escreve aqui é uma das pessoas mais felizes desse mundo hoje. Eu estou aqui! Por mim, pelos meus filhos, pelo meu amor, pelos amigos e minha família. E cada dia tenho mais certeza de que ainda vou ficar aqui por um bom tempo.

Que assim seja!

Esse texto foi escrito ao som de "another love" do Tom Odell.

Fotos: acervo pessoal





sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Eu Sei! Devia ter mandado às favas!

Ontem, enquanto lavava louças, o YouTube mandou, depois de muito tempo, Eu Sei, da Legião Urbana. Nunca foi segredo para ninguém nesse mundo que eu AMO Legião Urbana. Quando o Renato morreu, em 1996, meu telefone não parou de tocar. O dia todo recebi condolências pela morte de um cara que eu nem conhecia e que eu nem sabia que era tão óbvio para as pessoas que eu gostava tanto.

Aí fiquei uns 10 anos sem ouvir nenhuma música deles. Toda exposição pela morte do Renato e a avalanche de novos fãs, que não entendiam absolutamente nada do que eles diziam, me cansou.

Depois voltei a ouvir esporadicamente, quando a Bia descobriu meus cds e passou a escutar em casa. Só mais recentemente voltei ouvir para valer, com toda aquela emoção nostálgica necessária, com mais frequência. Para o meu total espanto a sonoridade e as letras continuam mais atuais do que nunca. Ouvir as músicas e ler as letras do Renato, nessa fase negra bolsonarista que estamos vivendo, soa como um presságio ou  uma premonição sombria. Parece que o Renato escreveu "Perfeição, Índios ou Que País é Esse?" no último dia 07/09/2021.

Outro dia, aos 49 anos, dentro da minha própria casa, ouvi umas críticas ferrenhas e grosseiras de alguém que sequer era nascido, em 1985, quando ouvi "Será" pela primeira vez. Alguém que não faz ideia do que aquilo significou para toda uma geração. Ouvi que as letras do Renato são simplórias, que ele não era um bom cantor e (pasme) que eu seria "arrasada" (isso mesmo, arrasada) se conversasse sobre a Legião com um fulano ai que entende de música. Depois me fez assistir à 26 minutos de um poscast, mega cansativo e chato, do Duvivier, só para eu ouvir no final o que ele acha de quem ainda ouve Legião: "uns cusões"!

Eu sou educada. Pensei, mas não falei nada, no dia: "mas eu tô pouco me lixando para o que o fulano entendido de música acha do Renato e muito menos para o que pensa o babaca do Duduvier - que além do fato dele odiar o bozo tanto quanto eu, não passa de um imitador grosseiro do John Oliver. Simplesmente não faz a menor diferença para mim o que eles, ou qualquer outra pessoa, pensa do meu gosto musical. Não escuto minhas músicas em volume alto e nem em público. 

Gosto de Legião Urbana JUSTAMENTE porque suas letras são totalmente despretensiosas e fazem todo sentido do mundo para mim! Eu entendo - e já entendia aos 13 anos de idade - o que o Renato fala e adoro o fato de que o Dado sequer sabia tocar quando entrou para a banda. Que ele ficava fazendo uns barulhinhos: "blim, blom" em "Ainda é Cedo" porque não sabia tocar e hoje é um guitarrista incrível. Eram apenas 3 garotos (às vezes 4), que no começo dos anos 80 faziam uma música que funciona até hoje. Quero que se dane a opinião de quem não estava lá vivendo tudo o que vivi e que NUNCA vai entender o significado que isso tudo tem para mim.

Escuto as músicas que eu gosto, na minha casa e, na maioria das vezes com fone de ouvido, não critico as escolhas musicais de ninguém, por mais ridículas que elas sejam. Cada um tem a sua história e que ouça o que bem entender. Isso vale para tudo: Ritchie - que eu acho um dos caras mais inteligentes e cultos, Boy George, George Michael, Vinicius Cantuária ou até mesmo os Menudos. Os anos 80 serão eternamente a minha década preferida. A mais legal e divertida de todos os tempo. A vida era uma explosão de cores e a gente ria de si mesmo com letras completamente simples como: "abro a marmita e o que tem? feijão!".

A gente cantava essas letras bobinhas, dançava e se divertia muito ao mesmo tempo  em que acabava com uma ditadura militar que já durava 21 anos. O mesmo fantasma que nos ronda novamente porque a turma lacradora, que chama os outros de "cringe" deixou uns infelizes trazerem essa merda toda de volta. Quer gostem ou não, eu vou continuar ouvindo Menina Veneno, Karma Chameleon e Careless Whisper sempre que tiver vontade, não tenho o menor pudor, muito ao contrário disso, de ouvir as músicas que fizeram a minha adolescência e juventude valerem a pena.

E, agora, prá você eu deixo apenas o meu olhar 43, aquele assim meio de lado já saindo, indo embora e a letra de "Perfeição" para você pensar e refletir um pouquinho:

Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção
Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha, que o que vem é perfeição
Fonte: LyricFind
Compositores: Dado Villa-Lobos / Marcelo Augusto Bonfa / Renato Russo
Foto: divulgação Google.



 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Reconstrução Mamária - Método Diep

 

O ano era 2018. Logo no início de abril eu recebia um diagnóstico de câncer de mama. A notícia foi um golpe que me deixou sem chão.

Escrevi bastante sobre essa experiência durante toda a parte mais pesada do tratamento. Há quase três anos, em julho de 2018 eu fui submetida a uma mastectomia radical da mama esquerda. Por mais doloroso que isso tenha sido, foi o que me salvou. Assim que abri os olhos na sala de recuperação, a Dra. Letícia imediatamente me disse: "tenho uma ótima notícia! Conseguimos retirar tudo, estava encapsulado, não tinha nenhuma contaminação dos linfonodos, você está livre do câncer. Essa notícia, dada assim de sopetão mudou tudo na aceitação da minha nova condição.

Quando soube que iriam retirar toda a minha mama esquerda, depois de receber toda explicação - perfeita -  do Dr. Andrade, eu "escolhi"não fazer a reconstrução imediata. Apesar de todo sofrimento de saber que seria mutilada, hoje eu entendo que fiz a melhor escolha. Ter retirado a mama toda, sem reconstruir, já me poupou de fazer radioterapia, uma das partes mais dolorosas de todo o tratamento. Além disso, a reconstrução tardia, permitiu que o foco da equipe médica fosse apenas a doença. Nesses quase três anos vivendo sem a minha mama esquerda foram de aprendizados incríveis. Eu já poderia ter reconstruído há um ou dois anos, mas eu quis esperar esses três anos até ter certeza de que a minha remissão estivesse mais perto da cura oficial. 

O marco de três anos em remissão é um motivo de muita comemoração e alegrias, pois venci mais da metade do tratamento, que no meu caso será de 5 anos. Ainda tomo tamoxifeno, ainda faço exames periódicos de três em três meses, mas nesses últimos três anos todas as minhas notícias foram sempre boas, maravilhosas. Depois de um ano da mastectomia eu resolvi retirar os ovários, preventivamente, isso me mantém ainda mais segura, pois consegui zerar a produção dos hormônios que me causaram o câncer. Pela primeira vez, em muito tempo, eu realmente me senti aliviada. Em paz de novo.

Depois de três anos olhando o meu corpo no espelho, convivendo bem com a prótese externa, fiquei expert nas "gambiarras", usava maiô tranquilamente. Sempre passei desapercebida na multidão. Nunca perceberam, a não ser que eu dissesse, que eu não tinha um seio. A convivência feliz com o meu novo corpo, a aceitação e o apoio incondicional do marido, varreram para longe de mim a ideia de reconstruir a mama. Até que em dezembro, numa das consultas com o meu mastologista ele me disse: você está ótima! Está radiante! Você está feliz, saudável e renovada. Vou te encaminhar para a cirurgia plástica, porque chegou o momento de você pensar nisso. Num primeiro momento eu disse categórica que não iria fazer a reconstrução, estava bem com a minha vida. Nunca fui tão feliz como sou hoje. E ele então me disse que esse era o melhor motivo para eu ir e conversar com o cirurgião. Eu fui!

Já cheguei no consultório dizendo que não queria reconstruir, que não queria colocar silicone num momento em que tantas mulheres estavam retirando. Que eu sempre sonhei envelhecer naturalmente, sem nenhum subterfúgio. Que eu sou feliz sendo quem eu sou. Então o Dr. Washington me disse: eu tenho exatamente o que você quer e isso casa perfeitamente com o que você precisa. Então ele me apresentou o modelo de reconstrução mamária feita com meu próprio tecido e que eu poderia envelhecer como sempre sonhei, mas INTEIRA outra vez. Ele me disse muitas coisas que acabaram por me convencer, mas acho que o que realmente me tocou foi quando ele me disse que a vida poderia me devolver tudo o que perdi. Que eu poderia ter de volta o equilíbrio do meu corpo, aposentar as minhas gambiarras e ser, de novo, uma pessoa completa.

Ele me disse isso justamente num momento em que eu vejo que a vida, aos poucos, tem me devolvido coisas que perdi durante esses 49 anos anos da minha existência. Até mesmo o disco do Ritchie, que eu ganhei aos 13 anos e que me roubaram - ganhei outro de aniversário. Reencontrei amigos de quem estava afastada há tempos. Tenho, dia após dia, recuperado pessoas, coisas, lugares, sentimentos e conquistas, que eu julgava perdidas. O mais importante de tudo: tenho reencontrado a mim mesma. Numa longa conversa de quase 2h, o meu médico me convenceu. Decidi recuperar também o meu seio esquerdo, concordando com ele de que a vida, depois de tudo que passei e sofri, me deve sim isso.

Então ele me explicou que faria exatamente o que eu tinha lhe pedido: reconstruir o meu seio, com material do meu próprio corpo, para que eu pudesse virar essa página e seguir envelhecendo normalmente. Ele me falou das maravilhas do novíssimo método DIEP que reconstrói a partir de um retalho abdominal, feito por microcirurgia, com fios mais finos que os meus cabelos, ligando vasos e nervos, o que, além do aspecto mais natural e parecido com o que eu era antes, possibilitará o retorno da sensibilidade da mama. Trocando em miúdos faremos conforme a figura abaixo:

                                             

Depois que me recuperar dessa primeira cirurgia, daqui três meses, ele fará os ajustes, simetria e mamilo. Ainda tenho um pedaço longo pela frente: me recuperar bem desta e encarar a próxima e última. É claro que estou com medo. Quem acompanhou a minha jornada até aqui, sabe dos perrengues todos, das minhas tantas etapas de medo, mas também sabe que eu não me paralisei, enfrentei tudo o que veio pela frente, morrendo de medo, tremendo de medo, mas na hora marcada eu estava lá. Hoje não será diferente. Estou aqui escrevendo porque não consegui dormir. Morrendo de medo de encarar mais 8h de um procedimento extremamente grande e delicado, mas às 7h da manhã estarei na sala de cirurgia do Hospital Sírio-libanês para que o Dr. Washington me devolva o mais próximo possível de quem eu era no início de 2018.

Por mais medo que eu sinta, eu sei que vai dar certo e sei que toda essa experiência tem me tornado uma pessoa  melhor, alguém de quem eu gosto muito. Uma pessoa mais livre e feliz. É claro que dá um frio na barriga colocar meu filho para dormir e saber que daqui a pouco sairei para enfrentar mais um dragão imenso sozinha, mas a diferença é que hoje eu sei que preciso fazer isso sozinha e que ninguém, por mais que me ame, poderá ir comigo ou no meu lugar para enfrentá-lo. Esse dragão, certamente, não será o 
último, mas a cada passo dessa jornada eu me sinto mais forte para ir.

Eu volto, assim que possível, para contar tudo como foi.
Torçam por mim!

Imagem: ShutterStock
Figura: divulgação internet

segunda-feira, 8 de março de 2021

Dia da mulher? Não, obrigada! Eu quero respeito o tempo todo.

Hoje é aquele dia em que a Internet descobriu que a mulher existe. O dia em que o comércio distribui rosas vermelhas para todas as mulheres que passarem em seus estabelecimentos. E já que todo mundo está prestando atenção na gente hoje seria bom aproveitar para dizer que rosas vermelhas não igualam salários.

Também podemos aproveitar esse instante, de fama, para dizer que NÃO, não somos "guerreiras", na verdade odiamos guerras! Também não somos essa "mulher forte"e muito menos queríamos estar vencendo "batalhas".

Honestamente, nós até que precisamos muito de ajuda e temos um bocado de medos e só queríamos ser valorizadas de verdade. Não apenas por homens, mas pelas outras mulheres. Principalmente por elas!

Gostaríamos que empatia fosse algo genuíno, que já nascesse implícito nas pessoas e que antes de julgar uma mulher, seja pelo que for, que ao menos tentassem entender o que acontece com ela. Uma mulher não precisa de rosas vermelhas, num dia qualquer, só porque querem vender algo para ela. Na verdade o que as mulheres querem é não ser importunadas nas ruas, em suas casas, ter que brigar por seus direitos fundamentais e nem ser comparadas o tempo todo.

Tudo que uma mulher quer é não ser mais um número nas estatísticas de feminicídio. Aliás, feminicídio não acontece apenas quando um homem descarrega uma arma numa mulher ou a atire do décimo andar. Acontece também quando uma mulher é obrigada trabalhar à exaustão sem ter tempo, ou dinheiro, de cuidar da sua saúde. Quando lhe é negado o direito de cuidar adequadamente da sua saúde e ela morre por causa disso. Acontece quando uma mulher é negligenciada e quando ela precisa carregar o mundo nas costas sozinha até sucumbir.

O que uma mulher realmente quer, não apenas no dia de hoje, é ter um tratamento justo, honesto. Não ser um objeto de consumo e não ser obrigada a ser perfeita o tempo todo. Ela quer ter o direito de não seguir padrões de belezas absurdas ou sofrer julgamentos ferozes. Ninguém, além dela própria, saberá jamais o que é estar na sua pele, enfrentando seus medos, suas fraquezas e dificuldades, então ninguém está apto a julgá-la.

Ela quer ter a liberdade de ser quem é, sem tantas cobranças, sem que o mundo siga achando que ela é uma "mulher guerreira e forte e dá conta de tudo". Porque não somos! Nós somos iguais a todo mundo: temos limites, nos cansamos, não damos conta, fracassamos e nos esgotamos, mas somos OBRIGADAS a ir além de nossos limites. Somos obrigadas a respirar fundo e levantar nosso corpo cansado e ir à luta. Uma luta que jamais queríamos travar, com nada e nem ninguém.

Ela só quer ser acolhida por outras mulheres quando precisar de apoio. Não ser agredida justamente por quem mais deveria entendê-la. Não ter a sua imagem atrelada à sexualidade, à uma perfeição que a agride tanto. Não ter as suas decisões mais íntimas à cargo de quem não conhece suas dores. Não ter o seu corpo e destino nas mãos de homens inescrupulosos e falsos moralistas. Ela quer exercer o seu direito sobre si mesma.

Seria tão simples! Com apenas um pouco mais de empatia e respeito nós não precisaríamos de "dia" nenhum para dizer essas coisas todas. Se tivéssemos um pouco mais de justiça e voz, nós não precisaríamos de nos impor, buscar migalhas de empoderamento ou gritar nas ruas que estamos cansadas.

Quanto mais "super', "batalhadora", "fodona', e o escambáu a gente se declarar, num dia como hoje, mais o mundo seguirá achando que aguentamos tudo, que suportamos tudo e que damos conta de tudo. Nós não damos conta de tudo! Precisamos compartilhar a carga, precisamos de ajuda, de abraços sinceros, de justiças e de compreensão.

Se você não vai caminhar ao lado dessas mulheres e ajudá-las a carregar suas cargas, se não nos entende, se nos julga e nos compara. Por favor, não nos deseje um "feliz dia da mulher".

Adriana Mani - lavienrosedadri.blogspot.com

arte: A.J. Cass - disponível na internet.