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segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Não, não ficou tudo bem!

Há algo muito errado acontecendo quando o seu garotinho de seis anos de idade sai na porta da escola, com um galo roxo enorme perto do olho, e diz que o "coleguinha" jogou uma garrafa de água nele. E há algo ainda mais errado quando o bilhete, na agenda, diz algo diferente do que realmente aconteceu.

Há alguns meses nos mudamos de São Paulo para Porto Alegre. Desde então a nossa adaptação não tem sido fácil. As diferenças, inclusive as culturais, são imensas e isso é apenas a ponta do "iceberg". Existe um incômodo real desde que chegamos aqui. Não é apenas o fato de não estarmos nos encaixando, existe uma atmosfera estranha no ar. Se você não é daqui e não veio pra ficar, possivelmente vai enfrentar problemas. Se você não morre de amores por chimarrão, se não liga pra  churrasco, se não acha as coisas regionais a oitava maravilha do mundo e não incorporou todas as regras e tradições - que estão em todos os lugares - e nos são sutilmente impostas, você vai ter muitos problemas! E eu nem vou entrar em questões mais polêmicas que tenho presenciado envolvendo racismo, machismo e preconceitos de todos os tipos. 

Já tive o meu carro riscado, com muita raiva, bem pertinho da placa, onde se lê "São Paulo - SP". Já fui chamada de "crespinha", porque meus cabelos estão nascendo encaracolados depois da químio. Já ouvi toda gama de comentários racistas, machistas, separatistas e preconceituosos em diversos lugares. Já tive que discutir com o porteiro que não queria deixar uma catadora de papel subir para buscar umas caixas que eu havia lhe dado. Já fui tratada com desdém 'N' vezes em diversos lugares, já me assustei com a quantidade de adesivos espalhados pela cidade onde se lê: "o sul é o meu país!". Já fui abolida do grupo do condomínio por não gostar de chimarrão e fofocas às 17h, já fui chamada de "animal" por estar fazendo uma manobra absolutamente correta para estacionar. Já voltei chorando para casa várias vezes por me sentir uma perfeita estranha nesse lugar. Até ai a gente engole o choro, a saudade, se faz de surda e segue o barco para poder continuar. Mas quando essas diferenças atingem seu filho a coisa muda muito de figura.

Tomás só tem seis anos de idade. Até quatro meses atrás estudava numa escolinha maravilhosa, tinha muitos amigos e o Parque Ibirapuera era o quintal da sua casa, onde - praticamente todos os dias - vivia mil aventuras. E ele é um garotinho incrível. E não digo isso apenas porque ele é o meu filho, mas porque eu sou capaz de identificar todas as suas peraltices, mas também as suas belas virtudes. O Tomás é um menino bom! Tem um coração de ouro. Não é raro ouvir alguém dizer que ele é muito educado e uma criança muito boa. Recentemente, na sua festinha de aniversário, quando fomos cortar o bolo eu lhe perguntei: "de quem é o primeiro pedaço?" e ele respondeu: "é do Fulano, porque ele é o meu melhor amigo aqui da escola!". O Fulano, em questão é uma criança autista, que segundo a própria professora, muitas vezes as crianças não querem brincar ou sequer sentar ao lado dele. E, ainda de acordo com a professora, o meu filho a emocionou muito, porque desde o primeiro dia de aula ele entendeu as dificuldades do amigo e passou a protegê-lo. 

Tudo caminhava relativamente bem até que o Tomás começou a reclamar muito do "Ciclano", um coleguinha de turma da mesma idade dele. Um dia chegava dizendo que o Ciclano falou que o cabelo dele é feio, outro dia disse que o Tomás não devia existir, que o meu filho era isso e aquilo. E o meu menino passou a não querer mais ir para escola. Por mais que eu argumente dizendo que é normal alguém não gostar da gente e que ele devia tentar conversar com o amiguinho, nada tem adiantado muito. Todos os dias é a mesma ladainha na volta da escola: o Ciclano me empurrou, o Ciclano falou que eu sou um idiota. Até que há alguns dias, conversando sobre o assunto, ele me disse algo que me fez perceber a gravidade disso tudo: "...mamãe a gente é criança e criança briga briguinha boba. Era assim lá em São Paulo, a gente brigava, mas logo fazia as pazes, mas com o Ciclano não. Por mais que eu tente ficar amigo dele, parece que mais ele me odeia". Eu achei aquilo muito pesado. Resolvi dar um toque na escola e falei de como as coisas que o Ciclano dizia estavam afetando o meu filho. Naquele dia recebi um bilhete da escola, dizendo que providências foram tomadas. 


Logo depois ele teve uns dias de férias. Ele já estava tristinho por ficar trancado em casa - por conta do frio e da chuva e porque as crianças do condomínio não querem brincar com ele. Já voltou pra casa chateado, diversas vezes, porque chamaram ele de "ovelha" por causa dos seus cabelinhos cacheados, porque não deixaram ele brincar, porque não respondem quando ele pergunta. E o meu garotinho que sempre foi uma criança alegre, falante e entusiasmada, foi ficando cada vez mais agitado, gritando e dizendo coisas agressivas até para nós, seus pais. As aulas voltaram e ele foi para escolinha, entre receoso e feliz. Já no primeiro dia voltou reclamando que o Ciclano não deixava ele brincar com ninguém, porque ele fala "você" em vez de "tu". Eu conversei com ele, disse para ele não levar as implicâncias tão sério e que logo ele teria mais dez dias de férias, pois irá comigo para São Paulo, na próxima quarta (07/08/19), e que lá vai rever os amiguinhos, que vai todos os dias no Ibira e no Manequinho e que o levarei na antiga escolinha para ver a professora, que ele ama de paixão. Ele ficou todo feliz.

Hoje quando fui buscá-lo, ele chegou todo agitado, falando muito alto - ele está cada dia falando mais alto e num tom agressivo que nunca teve. Quando chegou perto de mim, percebi um galo roxo enorme na fronte dele. Galo equivalente ao que ele teve quando teve uma queda bem violenta, de bicicleta, na descida da passarela do MAC - Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. A auxiliar da escolinha, que o entregou a mim, disse que ele estava brincando bem com o Ciclano que "sem querer" jogou um brinquedo na parede e acertou o Tomás. Eu fiquei sem reação na hora. Tentei ver o machucado, mas ele não deixou. Pedi, na frente da auxiliar, para ele me contar o que tinha acontecido, ele respondeu que me contaria no carro. Insisti para ele me contar, ele só disse: "o fulano jogou uma garrafa de água em mim", dai olhou para a moça e completou: "mas foi sem querer mamãe.". Eu só consegui pegá-lo no colo e dizer: "isso nunca aconteceu antes com você meu filho!". Tirei uma foto dele para mostrar pro pai dele e li o bilhete na agenda. 


Eu entrei no carro e perguntei para ele o que houve, se eles estavam sozinhos na hora, se ninguém tinha visto. Ele disse que uma das auxiliares estava com eles. Que ela havia dito para ele não ficar triste porque o Ciclano não fez por querer. Eu perguntei para ele se ele achava que tinha sido sem querer ele respondeu: "sim, mas o Ciclano não gosta de mim, então pode ter sido por querer, mas a professora falou que era sem querer então eu acreditei...".

Olha, a mim não interessa mais se o Ciclano fez ou não por querer. O fato é que uma criança que joga uma garrafa - ou mesmo que fosse um brinquedo, com tal violência contra a "parede" - é uma criança que está precisando de atenção ou está passando por algum problema.

Uma criança de SEIS ANOS não pode, não tem capacidade de odiar um coleguinha. Não se ela não for ensinada, de alguma forma, a fazer isso. Nenhuma criança de seis anos é capaz de, sozinha, não gostar de um coleguinha por causa do seu cabelo ou do jeito que ele fala. As crianças, todas elas, tendem a repetir o padrão dos adultos. E se eu já estava bem preocupada do meu filho viver num lugar onde, a maioria esmagadora das pessoas na praça de alimentação dos shoppings, não recolherem os próprios lixos, de não respeitarem os sinais de trânsito ou do coleguinha de escola dizer insistentemente que não gosta dele. Agora eu estou desesperada de medo, de que o meu filho ache normal um coleguinha tacar uma garrafa de água na cara dele, ou que ache bonito, como já tem feito, olhar para nós, apontar e rir debochadamente quando o corrigimos ou passamos por alguma situação chata, como deixar algo cair. O meu menino, que chegou aqui um lordezinho, tem estado impaciente, exigente e vive irritado com qualquer coisa.

Eu ainda não sei o que vou fazer a respeito. Não faço ideia de como vou lidar com isso e estou bem triste com o desenrolar de tudo. Meu filho que, chegou nessa escolinha e, foi considerado uma criança educadíssima, criativa e feliz. Agora está triste! Não quer mais ir para a escola de jeito nenhum. Não para de dizer que ainda é da turma da escolinha antiga, que sente falta da tia da outra escola. Da tia querida, que não esquece dele e que até hoje manda áudio no whats app para ele, e diz que o ama. Ainda não faço ideia de como vou resolver essa situação. Mas a única coisa que eu sei é que eu não o quero achando todas essas coisas normais. Que aceite ser manipulado, enganado, maltratado ou subornado. Eu não sei ainda como vou lidar com isso tudo, mas a única coisa que eu sei é que preciso ver a alegria no olhar do meu filho outra vez. Que preciso vê-lo feliz, correndo na chuva, andando de bicicleta por aí com os amiguinhos, rindo e sendo uma criança inocente por muito mais tempo ainda. Ele é amado demais para não ser feliz.






Fotos: Acervo pessoal
Trilha sonora: Titãs - Não vou me adaptar

domingo, 13 de janeiro de 2019

Ibira Mon Amour



Todo mundo, ainda que não saiba, tem o seu lugar preferido. O seu lugar preferido no mundo todo, como costumo dizer. O meu, sem a menor sombra de dúvidas, se chama Ibirapuera. Desde a primeira vez que visitei o parque, ainda criança, fiquei encantada com toda imensidão e beleza diante dos meus olhos.

Existe um momento na vida da gente em que, mesmo sem perceber, decidimos as coisas que serão sempre uma parte importante da nossa vida. Naquela tarde distante, no início dos anos 80, em que passei umas poucas horas correndo pelo parque, eu declarei que aquele era o meu canto favorito do mundo. Eu devia ter uns 12 anos. Logo depois fui embora para longe.

Anos mais tarde eu estava de volta. Vim à passeio, mas quando reencontrei o meu paraíso particular, eu já não podia mais viver sem ele. Voltei de vez! Voltei pra ficar (ao menos é isso que eu imagino). E não bastava mais morar na mesma cidade e frequentá-lo de vez em quando. Eu precisava vivê-lo, precisava respirá-lo e estar aqui sempre que quisesse. Há treze anos moro ao lado do parque, que chamo de meu quintal.

Quase todas as manhãs, quando o dia começa despontar, eu calço meu tênis e é lá que eu saúdo o meu novo dia. É para lá que corro sempre que acontece algo comigo. Qualquer coisa! É entre as suas generosas e frondosas árvores e o barulho dos pássaros que eu enxugo as minhas lágrimas, agradeço as felicidades, curo minhas dores e me sinto viva.

Foi para lá que eu corri imediatamente quando apareceu um nódulo no meu seio esquerdo, e eu nem sabia ainda o que era. Foi para o Ibirapuera que eu contei primeiro o meu maior temor naquele momento. 

Dias depois, já com o diagnóstico de "carcinoma ductal invasivo", eu corria novamente para o meu bosque. E olhando aquele verde intenso, a cor mais linda que já vi, eu chorei alto o meu choro mais dolorido, e em seguida decidi que queria continuar viva, que queria continuar levando meu filho todas as tardes para que ele continue crescendo nesse lugar. 

O Ibirinha, como carinhosamente Tomás e eu o chamamos, me acolheu, como sempre. Muitas vezes eu já entrei despedaçada, com o coração apertado, nas suas trilhas e enquanto corria ia me refazendo, me consertando, me remendando e curando.  Com o câncer não foi diferente.

Quando você recebe um diagnóstico complicado desses, é impossível não pensar na efemeridade da sua existência. Quando encarei de frente o fato de que não viverei eternamente e fiz o meu balanço interno, sendo o mais honesta possível comigo mesma, surpreendentemente descobri que poucas coisas ainda me prendem à esse mundo. Eu partiria com saudades de muitos amigos, familiares e pessoas queridas. Muitas mesmo, mas eu estaria pronta para dizer até logo a todos eles - porque eu realmente acredito em um até logo. Mas, não poderia ainda dizer isso ao meu marido e meus filhos. E quando pensei no que mais me faria falta nesse mundo, em todos os lugares onde já estive, onde fui feliz e gosto, de todos eles o único lugar que me fez chorar, por ter que deixá-lo, foi o Parque Ibirapuera. 

Desde que voltei morar em São Paulo e viver ao lado do parque, todos os grandes acontecimentos da minha vida passaram a ter uma relação direta com ele. Depois de sonhar tantos anos com o amor da minha vida, foi ali, no gramado do laguinho, que percebi o quanto estava apaixonada - pela pessoa mais incrível que eu já havia conhecido. Naquele dia eu realizei um desejo que guardava, há muito tempo, de ter um dia inteiro perfeito: com o céu azul sem nenhuma nuvem, a grama verde numa tarde quente. Foi olhando as carpas no jardim japonês, que há dez anos Diego me pediu em casamento. E foi lá, no Ibira, que eu disse o melhor e mais importante sim de toda a minha vida.

No mesmo lugar onde chorei a morte do meu avô e me curo da dor da sua ausência, cinco anos depois, nas mesmas trilhas, me mantive saudável, durante toda a gestação do Tomás.  O Parque foi o primeiro lugar onde eu levei o meu filho, recém nascido, para passear. Ele tinha apenas 15 dias. E ali ele mamou no meu seio, aprendeu a engatinhar, a caminhar, correr, andar de bicicleta e aprenderá a patinar em breve. É onde ele vive as suas aventuras e fantasias mais incríveis. Ele está crescendo tendo a floresta encantada como testemunha. Ele só tem cinco anos, mas já ama o parque tanto quanto eu.

Todas as tardes livres, em que eu pergunto ao Tomás o que ele quer fazer, a sua única e certeira resposta é: "eu quero ir no Ibirinha!". Isso me enche de orgulho e felicidade. O Ibirapuera não é apenas um lugar para nós. Ele é o nosso quintal. É onde o meu filho, apesar de morar em apartamento, numa cidade grande, pode correr livre, tomar banho de chuva, colher frutas no pé, subir em árvores, conhecer pássaros, ver animaizinhos e ter a mesma liberdade que eu tinha na minha infância vivendo numa cidadezinha com menos de dez mil habitantes. 

Tomás é uma das crianças mais felizes que eu já conheci. Tenho certeza que esse pedacinho de chão é o responsável por isso. Ele é dono das tardes mais perfeitas que uma criança poderia ter. Seja com amigos ou sozinho, ele sempre volta, sujo, cansado e intensamente feliz para casa. E eu sei que ele está criando as melhores lembranças que terá na vida.

O mais impressionante é que nós nos sentimentos completamente retribuídos nesse amor. Em cada sombra de árvore num dia quente, em cada brisa fresca que sopra do lago e em cada folha seca caída no chão.

Eu tenho o privilégio imenso de poder escrever e falar sobre isso na "Revista do Ibirapuera". Até isso consegui juntar: o meu lugar preferido no mundo com o que eu mais gosto de fazer nessa vida. Escrever. É uma troca intensa de amor. O Ibirapuera se tornou o meu lar e da minha família.

Eu não sei o que o futuro me reserva. Talvez eu precise, um dia, dizer até breve a este meu lugar tão querido. Mas certamente um pedaço grande do meu coração vai sentir muito. Vai doer demais esse "até logo!" Quando penso em quantas coisas já vivi nesse lugar e em quantas coisas ainda quero viver, uma vida inteira parece tão pouco. Eu quero envelhecer e continuar a caminhar ao lado do meu filho e marido por entre essas árvores e trilhas. Quero poder apresentá-lo a tanta gente ainda, continuar descobrindo coisas novas a cada dia e poder um dia ver meus netos redescobrindo tudo de novo. 

Enquanto eu me curava do câncer o Ibira também me curava e muitas outras coisas. Era onde eu me desesperava e me refazia. Era o único lugar onde eu me sentia à salvo nos piores dias. Era onde recobrava minhas forças durante a quimioterapia e recarregava as baterias para mais um ciclo.  Talvez eu não tivesse me restabelecido tão bem, a cada ciclo, sem esse oásis por perto. Eu ainda estou me recuperando da jornada. É por entre os seus caminhos que eu me silencio e escuto a minha voz interior, onde me encho de coragem e esperança para continuar.

Gratidão é tudo o que define o meu sentimento ao Ibirapuera nesse instante. E espero que todas as pessoas, que um dia estiverem à frente desse lugar, saibam que ele é muito mais que um lugar onde se pode lucrar. Ele simplesmente é a razão de viver de algumas pessoas. Então espero que cuidem bem, preservem-no e não o tratem como apenas mais um meio de se fazer dinheiro. O Ibira é o lugar onde quero estar por toda eternidade quando as minhas cinzas forem tudo o que restar de mim.
(Rua do "Arigatô" - Obrigado)









quarta-feira, 25 de abril de 2018

A Floresta Encantada

A Rita Lee, em sua autobiografia, escreveu sobre a sua "floresta encantada"  antes do Ibirapuera se tornar um parque. No livro ela conta sobre os piqueniques que fazia aos domingos com a família, fala da horta que mantinham na mata, das plantas e dos seus cantinhos secretos que no local. Saudosa, diz que o sonho acabou no quarto centenário de São Paulo, quando o parque foi inaugurado. Escreve ainda que seu pai, inconsolável, recusou-se a ir à festa de inauguração. Disse que ele ficara triste por ver a horta e plantações, que eles cultivavam no local, serem destruídas. É absolutamente compreensível esse relato de alguém que participou de toda transformação pela qual o parque passou.

Sessenta e três anos depois da hortinha da Rita ser destruída, o Parque do Ibirapuera é hoje uma das mais importantes fontes de lazer dos  paulistanos e dos turistas. A "floresta encantada da Rita" talvez não exista mais, mas ela deu lugar a uma outra floresta: a floresta encantada do Tomás e de muitas outras crianças. 

O Tomás, é um garotinho de quatros anos que frequenta quase diariamente o parque. Foi no Ibirapuera que ele aprendeu a engatinhar, caminhar, correr e andar de bicicleta. Para ele o lugar é um mundo de maravilhosas descobertas.

Como a Rita, ele também faz seus piqueniques com a família, também tem os seus cantinhos preferidos e  junto dos amigos torna real todas as suas maiores aventuras. Para ele a "floresta do Ibira" continua mais encantada do que nunca.



Tomás é uma criança feliz e privilegiada por poder crescer, brincar e descobrir um universo inteiro nesse imenso jardim. Até mesmo a sua festinha de dois anos foi feita nos gramados do Ibira. Para alguém ainda tão pequeno viver em São Paulo e ter a oportunidade de estar em meio a natureza  é algo simplesmente emocionante. 

Conviver com os animais, as plantas, colher e comer frutas no pé,  estar rodeado de árvores majestosas e brincar tão livremente certamente fará dele uma pessoa com experiências muito ricas.

Mas o Ibirapuera não é um lugar que encanta apenas as crianças. Em seus mais de 15 mil metros quadrados é possível encontrar mais de 100 espécies de aves, pequenos animais, peixes, muito verde e muitos outros atrativos. Não é nenhum exagero dizer que ali existe todo um universo a ser descoberto.

Deixar-se seguir, por uma criança, pelos caminhos do parque é sempre uma aventura incrível. As crianças tem aquele poder de nos guiar o olhar para algo novo, para aquilo que sempre esteve ali mas nunca tínhamos nos permitido ver. É assim é possível descobrir um pomar de pitangas, ou de carambolas deliciosas, um labirinto feito de plantas, árvores centenárias, um figueira imensa, um pequeno lago de carpas, um jardim japonês, um canteiro de lavandas, uma trilha que contorna o parque inteiro...

E você está pronto para se deixar guiar por uma criança pelos caminhos do Ibirapuera? Gostaria de experimentar essa sensação de liberdade por algumas horas?










foto: divulgação livraria saraiva

domingo, 5 de novembro de 2017

Mãe de Menino

O Tomás, meu caçula, tem quatro anos e antes dele existir eu pouco tinha convivido com meninos. A irmã dele é 20 anos mais velha que ele e ela tinha sido a minha última experiência com crianças. Convivi com um irmão e um primo, mas não tomei conta deles. Com minha irmã e primas, por ser mais velha, acabei muitas vezes fazendo o papel de baby sitter delas. O meu filho é a minha primeira convivência tão próxima com um menino.

Antes dele eu não tinha noção do quanto seria difícil ser mãe de um garotinho. Já começou antes mesmo dele nascer: comprar enxoval e preparar o quarto para um menino é um desafio e tanto se você não quiser cobrir o seu bebê, da cabeça aos pés, de azul. No dia que ele nasceu, enquanto era anestesiada, ouvia os médicos discutindo e falando por mim sobre quais desenhos ele deveria assistir: "...ela vai ter um menino,  ele não vai assistir pequenas princesas..."

O Tomás é uma criança incrível. Às vezes fico observando o seu jeito de olhar o mundo e sinto aquele frio na barriga. Ele ainda não frequenta a escola. Não tem ideia ainda de como as coisas funcionam nesse lugar tão caótico em que vivemos. Ele ainda não sabe que, para algumas pessoas,  existe brincadeira de meninos e brincadeiras de meninas. Ele não se importa se não compramos um brinquedo que ele viu na vitrine, mas se empolga muito quando fazemos juntos seus próprios brinquedos. Ele se encanta com as pequenas coisas.

Em sua inocência não ele sabe que lá fora existe racismo e preconceitos infinitos. Ele simplesmente não sabe que o amor  entre duas pessoas às vezes não é aceito. Não sabe que a cor da pele de alguém poderá ter influência em alguma coisa.  Ele não dá a mínima se o amiguinho que brinca com ele é rico, pobre, branco, negro, se foi pra Disney ou se nunca saiu do bairro. Ele ainda não conhece a maldade humana. E eu sofro só de pensar que em breve, de alguma forma, ele irá conhecê-la.

O meu menino é uma criança feliz. Ainda vive sob a total proteção dos pais. Quando tinha dois anos ficou obcecado por máquinas de lavar. Mas ele não ouviu quando me disseram para levá-lo ao psicólogo por causa disso. Também não entendeu os fervorosos elogios quando a obsessão dele mudou para aviões. Estranhamente ninguém me mandou levá-lo ao psicólogo por isso, pelo contrário, ele agora é ovacionado porque será um brilhante piloto ou um engenheiro.

Ele não entende porque algumas pessoas pensam que ele é menina e continua pedindo para nós não cortarmos o cabelinho dele. Ele ainda não sabe que religião existe. Não sabe que algumas pessoas não deixarão seus filhos brincarem com ele quando descobrirem que o seu pai é ateu ou sua mãe kardecista. E tenho medo que ele descubra isso da pior forma: sendo proibido de fazer algo ou de brincar com algum amiguinho que ele goste simplesmente porque os pais pensarão diferente dos pais dele.

Às vezes, quando penso nisso tudo tenho vontade de segurá-lo aqui conosco. Queria não mandá-lo nunca para escola. Queria impedi-lo de conhecer esse outro mundo tão cedo, mas não posso fazer isso. Está cada dia mais complicado protegê-lo disso. Outro dia um garotinho quase da idade dele, no parque, zombou porque ele não sabe falar inglês. Ele sequer entendeu o que era aquilo e continuou brincando com aquele menino mesmo quando ele começou a jogar água suja na carinha dele. Meu coração fica aflito quando penso que toda essa pureza que ele carrega está perto de acabar.

Eu não posso evitar esse confronto. Eu sei que ele terá sempre o aconchego do nosso abraço e a paz do nosso lar, mas também sei que a responsabilidade de educar um menino é bem grande. Talvez maior que educar uma menina, com a Bia pareceu tão fácil. Ela andava de bicicleta e jogava futebol na escola, mas ninguém nunca me mandou levá-la no psicólogo por essa razão. 

Outro dia disse para minha sobrinha, que tem 21 anos e é uma garota incrível, que eu não preciso explicar para o Tomás um relacionamento gay, porque ele simplesmente está olhando como nós nos comportamos diante das coisas. Se é natural para nós, será natural para ele também. Ele está atento a tudo o que fazemos e falamos e muitas vezes vejo-o repetindo por ai palavra por palavra do que dissemos. A minha maior preocupção é deixar passar alguma coisa que carregamos, que estão intrínsecas na gente porque foi assim que aprendemos. 

Quando penso no enorme desafio de criar um homem bom na nossa realidade, eu sinto muito medo. Tenho me deparado com circunstâncias que estão completamente na contramão de tudo aquilo que desejo para ele. Espero que ele entenda o verdadeiro significado do respeito, que saiba que, por mais doido que seja lá fora, aqui em casa será diferente.  Que quando perguntarem se ele é uma menina, por causa do seu cabelo grande, ele não se sinta inferiorizado. Que ele compreenda que há algo errado com as pessoas que não aceitam as diferenças e não com ele. Que não há absolutamente nada errado em ajudar em casa, brincar com uma máquina de lavar e que rosa é apenas uma cor - e que ele pode gostar dela.

Fico apreensiva quando penso nessas coisas todas que ele ainda vai conhecer. Muitas vezes fico chateada com as coisas que eu ouço.  Mas, quando vejo o pai que escolhi para ele meu coração fica mais tranquilo, pois eu sei que não estou sozinha nesse imenso desafio. E o maior exemplo que o meu filho terá na vida é do homem maravilhoso que ele tem como pai.