quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Um pouco de aprendizado

aprendizado
substantivo masculino
  1. 1.
    ato, processo ou efeito de aprender; aprendizagem.

    "o a. da língua materna"
    • duração desse processo; aprendizagem.
  2. 2.
    por extensão
    experiência inicial do que se aprendeu; prática, experiência, aprendizagem.


Hoje farei a minha primeira quimioterapia. Estou apreensiva, um pouco nervosa e morrendo de medo mas, como já disse anteriormente, o medo me impulsiona. Essa foi uma das minhas grandes descobertas desde o começo dessa minha jornada. E essa é apenas mais uma das "etapas do medo". Assim como outros medos passaram, esse também vai passar. 

Quando descobri que estava com câncer eu contei para todos que eu conheço (ao mesmo tempo). E já na primeira postagem que fiz, "estou com câncer, e agora?", eu dizia sobre as coisas que eu estava aprendendo. Quatro meses se passaram e a minha lista de aprendizado cresceu muito. Posso até dizer que algumas coisas que eu achava que tinha aprendido já foram repensadas. Provavelmente até o final dessa minha caminhada já vou ter revisto muitas outras coisas. Mas até aqui, posso garantir a todos vocês que aprendi mais nesses últimos 5 meses do que nos 46 anos anteriores da minha vida. E descobri o quanto é bom entender coisas que estavam empacadas, descobrir porque você toma determinadas atitudes e onde elas podem te levar, encontrar as respostas que você tanto buscava e perceber qual o seu real valor para as pessoas (e principalmente para si mesmo). Isso é libertador.

Hoje vou fazer uma daquelas listinhas (e eu adoro fazer listas) das coisas que eu tenho aprendido e que talvez possam ajudar aqueles que estão vindo atrás de mim. Aliás esse é um desejo imenso desse meu coração: AJUDAR! Eu realmente não desejo a nenhum ser vivente nesse mundo que passe pelas angústias que passei (e estou passando) nesse pedaço da minha vida, então se eu puder ajudar a aliviar ou melhorar de alguma forma o caminho de quem está começando a trilhar essa estrada chamada câncer, a minha experiência não estará sendo inútil.

Então, vamos lá...

Coisas que aprendi nos 5 meses desde que descobri um nódulo no meu peito:

1 - Me importar com coisas completamente diferentes do que imaginava (e do que as pessoas imaginam que eu me importo). No meu caso por exemplo: sofri horrores na fase do estadiamento (fase de exames para descobrir a extensão e gravidade da doença). Muito mais que ter perdido meu seio esquerdo ou a possibilidade de perder meus cabelos com a quimio. As pessoas imaginam que você vai desabar por perder o seio ou cabelos - é claro que isso é totalmente diferente para cada pessoa - mas estamos falando aqui da minha lista. Na verdade quando sai da cirurgia eu estava tão aliviada (por não estar mais abrigando um tumor no meu peito) e feliz com as primeiras notícias que recebi que não consegui sequer ficar triste num primeiro momento. Isso veio depois. Fiquei um pouco deprimida depois que tirei as ataduras e quando algumas amigas choraram ao falar comigo. Mas isso passou rápido e a cada boa notícia que fui recebendo a mastectomia foi perdendo lugar, mesmo porque essa situação é temporária;

2 - Que vai Passar! Essa é a frase que mais ouço das novas "amigas de peito" e que mais leio nos blogs sobre o assunto. E a cada etapa vencida a gente vai compreendendo isso. Porque essa situação é realmente temporária (de qualquer forma um dia acaba). O tumor não vai ficar no seu corpo, a recuperação da cirurgia e o tratamento não vão durar para sempre. Então, é respirar, se armar de coragem e entender, definitivamente, aquela expressão: "força na peruca e vamos em frente.". Descobri que é sim possível ser a pessoa mais corajosa desse mundo quando se está sentindo o maior medo da sua vida;

3 - Blindar os ouvidos! Prepare-se para ouvir as coisas mais absurdas sobre câncer e principalmente sobre o tratamento. A gente vai ficando cada vez mais entendida sobre o tipo de câncer que temos e o tratamento que estamos recebendo. No final disso tudo acho que já estarei PhD em "carcinona ductal invasivo grau II - sem comprometimento de linfonodos - positivo para estrógeno e progesterona, tamanho entre 2 e 5 cm em paciente com idade superior à 35 anos, etc, etc...". Porque é assim que o seu tumor será tratado. Cada um deles é único no Universo (sem exageros aqui, porque todas as especificações microscópicas do tumor serão combinadas com as especificações microscópicas do seu organismo, heranças genéticas, etc, etc...), portanto ele vai ser tratado de forma exclusiva. Então esqueça todos os conselhos, dicas, e absurdos que vai ouvir durante o seu tratamento. Não é porque a tia da amiga morreu depois de fazer químio que você também vai morrer na sua primeira químio. (assim espero!);

4 - Não acreditar em curas milagrosas. Vão te apresentar as curas mais espetaculares do mundo e se você tentar seguir todas é bem provável que morra de intoxicação em vez de morrer de câncer. Se graviola e pitaya curassem câncer, não existiria mais ninguém doente nesse mundo. Uma coisa é você procurar apoio de um nutricionista especializado e ter uma alimentação natural, baseada no seu histórico médico para te ajudar a se livrar do câncer. Porque SIM (e isso não é nenhum segredo) alimentos processados, artificiais e cheios das mais diversas porcarias industrializadas fazem muito mal à saúde, todo mundo já tá cansado de saber. Então procurar se alimentar de forma correta para o seu organismo se recuperar e te ajudar a se livrar do câncer é uma escolha inteligente. Isso não significa abandonar os tratamentos tradicionais que, comprovadamente, podem te curar. Estudos foram feitos e há anos são testados, confirmados e já salvaram muitas vidas. É esse o caminho que escolhi: me alimentar de forma saudável e seguir o protocolo médico à risca. Os resultados nos meus exames não deixam dúvidas que fiz a melhor escolha;

5 - Aceitar as mudança nas relações! Algumas pessoas que você ama nem sempre vão te acolher. Talvez sejam as primeiras a sair correndo, morrendo de medo da doença. Mas ao longo do caminho você começa a entender - finalmente - que as pessoas são diferentes, que reagem de formas diferentes aos acontecimentos e que isso (talvez) não signifique que não te amem. Ao contrário disso também vai descobrir que tinha verdadeiros anjos vivendo ao seu lado, pessoas que serão capazes de te carregar no colo e que enfrentariam tudo no seu lugar se pudessem. Algumas coisas vão ficar bem claras para você: aquelas amizades que aparentemente eram firmes e cheias de significado vão se mostrar que na realidade eram bem frágeis. Amigos que você nem botava muita fé vão se revelar pessoas que realmente te amam e que ajudarão muito você. Prepare-se para descobrir as sombras de alguns e as suas próprias. Pode ser que não te poupem e te digam coisas realmente dolorosas no seu momento de maior fragilidade e essa bofetada na cara vai te fazer acordar pra valer. Vai te fazer enxergar em você (e nas pessoas) algo que você nunca tinha visto antes. Isso vai, definitivamente, te fazer entender o quanto você é forte e que precisa encarar as coisas de frente, sem melindres e sem dependência emocional;

5 - Rever todas as suas atitudes, pensamentos, conceitos e preconceitos. Minha terapeuta outro dia falou que eu dei um salto gigantesco no meu autoconhecimento. Consegui evoluir mais em 5 meses do que em 4 anos de terapia. Isso porque você vai descobrindo quem você é, qual o teu significado para as pessoas e vai conhecer muita gente passando por problemas (menores ou muito maiores) que os seus e isso te coloca em xeque. Vai entendendo que a vida não é do jeitinho florido que a gente sempre imaginou e que isso não tem problema nenhum. Que você fazia a maior tempestade em um copo d`água: "Ai, meu cabelo não fica como eu quero, que droga!". Pois bem, você vai ficar careca e o problema do cabelo tá resolvido. Você começa a dar importância ao que realmente importa;

6 - Ser mais atenta e cautelosa. O seu médico, por mais maravilhoso que ele seja, não vai te dizer tudo o que você precisa saber. Então você vai ter que perguntar, pesquisar, buscar outras informações, checar tudo e tirar dúvidas com o seu médico o tempo todo. Não vai poder, por exemplo, tomar aquele chazinho que te indicaram, sem antes perguntar ao médico se não vai interferir no tratamento. É a sua saúde e é você quem vai ter que correr atrás de tudo o que precisa saber para depois perguntar ao médico o que procede e o que não procede. Porque ele tem zilhões de outros pacientes e não vai se lembrar de te informar e avisar de todos os detalhes (que são milhares). No IBCC você recebe um guia informativo e isso ajuda muito, mas mesmo assim tem muito mais coisas que não estão no guia que podem de ajudar (ou te prejudicar) e é preciso estar atento aos detalhes para não perder nada na consulta;

7 - Não se comparar! Como já disse antes cada pessoa é única, cada tumor é único, cada organismo reage de um jeito. Não tem como comparar as reações e as evoluções do tratamento. Isso é algo que estou levando para a vida. Não dá para se basear em nada, nesse assunto. Não dá pra medir a sua vida com a de ninguém. Eu já tinha uma boa base disso e essa não foi uma lição difícil. Não gosto de me comparar e ser comparada, mas isso ficou ainda mais claro pra mim. Eu preciso me concentrar em mim, nas minhas necessidades e naquilo que vai funcionar pra mim para não perder o foco;

8 - O tratamento do câncer é uma jornada solitária. Isso não significa que você é alguém abandonado à própria sorte. Por mais que você tenha todo apoio e amor do mundo, uma coisa que ficou bem evidente pra mim é que precisamos aprender a enfrentar nossos medos e não ser alguém emocionalmente dependente. Atrelar a felicidade, saúde, conquistas e existência à vida de outra pessoa é um erro grave. Mesmo que você tenha alguém te que ame muito, que esteja ao seu lado em todos os momentos, na hora H ninguém vai poder tomar o seu lugar. Você vai ter que entrar sozinha na sala de exames, na sala de cirurgia e é a sua veia que será puncionada para receber a medicação. Ninguém no mundo vai poder fazer isso por você. Eu tinha traumas de infância, muitos ressentimentos e uma dependência emocional filha-da-mãe, que não se curava nunca. Estava sempre dependendo da aprovação de alguém ou de alguma outra coisa para me sentir feliz (mesmo tendo uma vida maravilhosa com a família que construí). Essa experiência tem me feito amadurecer e estar mais consciente das minhas responsabilidades. As minhas sessões na terapia estão cada vez mais rápidas;

9 - Câncer de mama não acontece só em outubro e nem só na casa dos outros. Eu tinha a arrogância de achar, mesmo tendo muitos casos na família, que eu estava imune. Que jamais teria um câncer afinal achava que me alimentava bem (só porque não tomava mais refrigerantes e tinha cortado frituras), que fazia exercícios (mesmo tendo longos períodos de sedentarismo), que fazia meus exames regularmente (sem saber que determinados tumores não aparecem na mamografia). Aliás, muita gente acha que mamografia é PREVENTIVO de câncer. Sinto dizer, mas não é! Mamografia serve apenas para um diagnóstico precoce (aliada ao ultrassom) que poderá aumentar as chances de cura e só! Fazer exames regularmente não vai te impedir de desenvolver um câncer, mas cuidar da alimentação, praticar exercícios, viver sem estresse e ansiedade e tomar muita água serão bem mais eficientes na prevenção. Eu tinha a presunção de achar que estava me garantindo, quando na verdade uma série de muitos, muitos mesmo, outros fatores são determinantes para o surgimento da doença.


10 - Câncer tem cura ou pode ser tratável. A gente tem uma ideia muito errada sobre a doença. Eu me incluía nessa lista. Até 2014, quando passei por uma cirurgia para retirada de glândulas mamárias nas axilas, achava que câncer era uma sentença de morte. Nessa época comecei a me inteirar sobre o assunto, estava morrendo de medo daqueles caroços nas minhas axilas serem malignos (não eram). Foi então que comecei a me familiarizar com o assunto, mas logo depois da cirurgia não pesquisei mais nada até ser diagnosticada em abril de 2018. Só então eu comecei a descobrir termos, tratamentos, fatores que facilitam ou são obstáculos para o tratamento e a cura. Conheci pessoas incríveis que estão há muitos anos em tratamento, com metástases no corpo inteiro,  e vivem muito bem (apesar das limitações). Conheci pessoas que se curaram completamente de diagnósticos terríveis e nunca mais tiveram nada. Ouvi histórias de pessoas com tumores iniciais, sem metástases e curáveis, que sucumbiram à doença. Estou tendo contato com pessoas que passaram por situações realmente terríveis e passaram por tudo com bom ânimo, coragem e determinação, pessoas que hoje me inspiram e me indicam a direção, são pessoas maravilhosas que resistem bravamente e não desistem. E a cada dia que passa tenho mais confiança na minha cura. 

Eu ainda tenho muito o que aprender nessa caminhada. Cinco meses se passaram, desde aquela sexta (16/03/18) em que passei a mão pelo seio esquerdo e senti um caroço do tamanho de uma uva. Tenho agora mais cinco meses de tratamento com a químio pela frente. E por mais difícil que esses próximos meses sejam, eles vão passar como os primeiros passaram.

Daqui a pouco vou para o hospital enfrentar a primeira dose do meu abençoado remédio. A primeira da minha cura definitiva. Eu não tenho mais câncer e se por acaso alguma célulazinha esperta tiver escapado, hoje a gente acaba com ela! Eu não tenho dúvidas de que estou curada, mas não vou deixar de fazer absolutamente nada para garantir isso. Espero que eu tenha "estudado" bastante para a "prova" de hoje. Depois eu venho aqui contar que nota eu tirei.

Orem por mim;
Vibrem por mim;
Torçam por mim.

Um beijo carinhoso à todos.

foto: site Senai


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