mastectomia
substantivo feminino
cir excisão ou remoção total da mama; mamectomia.
É isso o que vai acontecer comigo nos próximos dias. Mastectomia total da mama esquerda, sem reconstrução imediata. Foi isso o que eu ouvi do Dr. Andrade na minha última consulta. Se por um lado começar um tratamento oncológico com uma cirurgia é um bom sinal - de que não há metástase e o tumor ainda está de um tamanho removível e pode ser feito antes de começar a químio. Por outro lado, não é nada fácil ouvir que vão retirar totalmente a sua mama esquerda. Algo que eu nunca imaginei que fosse acontecer comigo. Mais ainda, algo que eu nunca imaginei que pudesse ESCOLHER. Mas foi isso que aconteceu.
Eu estava torcendo para começar mesmo pela cirurgia. Até então eu sabia que, por pior que fosse, já estarei livre do tumor e para me conformar a reconstrução seria imediata. Mas no dia decisivo para mim, não foi isso que aconteceu. Como sabem estou fazendo o meu tratamento pelo SUS e para uma reconstrução imediata é necessário conciliar as equipes oncológicas com o cirurgião plástico. Mas para fazer isso o tempo de espera, por uma vaga com o cirurgião plástico, seria de até três meses. Um tempo que eu não quero perder e não tenho para esperar. A pergunta do médico foi: "você quer esperar para fazer a reconstrução imediata ou já podemos solicitar a cirurgia para os próximos dias?" Antes de responder minha pergunta óbvia foi: "eu corro algum risco do tumor espalhar se esperar esse tempo todo?" E a resposta dele foi que sim. Então "escolhi" fazer logo a cirurgia. Em seguida ele me explicou que após um ano eu poderei fazer a tal reconstrução.
Dizendo assim parece simples, mas não é. Quando explico para as pessoas elas me dizem: "ah, mas depois você faz uma plástica e fica tudo bem". Não é bem assim. A diferença é bem grande. A reconstrução imediata tem um resultado (estético) melhor que fazer isso depois. Por mais que fique uma cicatriz imensa, existe um volume (que permanece com o extensor) que faz com que a pessoa ao menos se iluda que continua inteira.
Eu sempre tive seios lindos. Talvez seja a parte do meu corpo que eu mais gosto. Me orgulhava de, aos 46 anos, ainda conservá-los firmes, sem estrias ou flacidez. Ficava feliz de me olhar no espelho e vê-los simétricos, uniformes e muitas vezes mais belos do que os de algumas adolescentes que já tinha visto.
Ficava realmente feliz de ter passado por duas gravidez e ter conseguido mantê-los bem conservados. A ficha só caiu ontem no banho. Enquanto me lavava me dei conta de que daqui alguns dias a minha realidade será completamente diferente. Fiquei me lembrando de quando eles começaram a nascer: eu tinha doze anos. Me lembrei do meu primeiro sutiã e de todas as vezes que eu me senti sexy e bonita por causa dos meus seios. Do quanto eles elevavam a minha autoestima, mesmo quando não estava completamente satisfeita com o meu corpo. Então eu comecei a pensar nas escolhas todas que eu fiz e que me trouxeram até aqui.
Dentro em breve, quando me olhar no espelho - por pelo menos um ano inteiro - será assim, como na foto ao lado, que vou me ver. Por mais que eu tenha escolhido fazer logo a cirurgia, na verdade essa foi a única "escolha" que eu tinha. Ou eu aceito tirarem um pedaço de mim ou posso complicar a minha situação -e isso implica em me curar ou não do câncer. Então, escolher viver, não foi nenhuma escolha, mas a única alternativa que eu tinha.
O que eu poderia ter escolhido antes era ter cuidado melhor de mim. Ter feito talvez aquele plano de saúde que eu não fiz porque achava caro demais e um desperdício - já que eu poderia fazer uma medicina preventiva pelo SUS. A verdade é que eu sempre me deixei meio que em segundo plano em quase tudo na vida. Deixei de gastar um dinheiro comigo que agora poderia ter poupado o meu seio esquerdo - já que pelo plano de saúde essa reconstrução seria imediata. Essa foi uma escolha que eu deveria ter feito e não fiz.
Eu poderia ter pesquisado melhor sobre mamografia e ultrassom. Ter descoberto, em tempo, que alguns nódulos não aparecem na mamografia e ter feito o ultrassom sempre (e não apenas a mamografia que fazia pelo SUS todo ano). Se eu soubesse, teria pago anualmente por um ultrassom e teria descoberto o nódulo em tempo de não precisar remover a mama inteira. Enfim, pensamentos que agora não me ajudarão em nada.
Serão 365 dias, ao menos, de espera por um resultado que talvez não seja tão bom quanto se fizesse a reconstrução imediata, mas é o preço que vou pagar para ficar viva e me curar. Então não é um preço tão alto, visto dessa forma.
Quando digo que ninguém "tira um câncer de letra", é disso que estou falando. Nenhuma mulher no mundo faria uma escolha dessas, a não ser que não tenha mais escolha nenhuma. É o que me convenço quando alguém me diz que "vai ficar tudo bem" e eu sei que não vai ficar tudo tão bem assim.
Quando a Angelina Jolie decidiu fazer uma mastectomia bilateral preventiva, muita gente a criticou - sem saber as razões dela. Pelo que li ela tinha muitos casos de câncer na família e fez um exame genético, o BRC, e deu positivo para hereditariedade. Para ela era uma questão de tempo desenvolver um câncer de mama. Então ela escolheu, em tempo, retirar as mamas - preservando mamilos e reconstruir imediatamente. Ela escolheu viver e permanecer "inteira". É uma escolha que a maioria das mulheres teriam feito se pudessem. Eu inclusive. Se eu imaginasse que em quatro anos seria diagnosticada com um câncer de mama, teria retirado tudo quando me operei em 2014 e retirei duas mamas acessórias axilares. Eu tinha quatro, em vez de duas, glândulas mamárias. E a voz do meu médico dizendo que era melhor tirá-las para evitar "problemas futuros" ainda ecoa na minha lembrança. Ah! Se eu soubesse, teria escolhido tirar tudo, como fez a Jolie.
Ainda tenho um pedaço bem difícil pela frente, mas no final das contas a alma estará ilesa. Assim espero. O que quero dizer a vocês hoje é: PREVINAM-SE!
SE TOQUEM! (câncer de mama não dá só em outubro).
FAÇAM EXAMES PERIÓDICOS (mamografia e ultrassom, sempre)
E além disso:
Orem por mim,
Torçam por mim,
Vibrem por mim.
fotos: divulgação internet / gettyimages / angelinajoliefanclub/ adriana mani