sexta-feira, 6 de outubro de 2017

OK, vamos falar de pedofilia.

Nessa guerra de egos e ideologias que temos visto, desde a performance polêmica do MAM, tudo o que eu não vejo são as pessoas, todas, se importando, de fato, com a criança envolvida.

Quando vejo as pessoas compartilhando compulsivamente a foto daquela garotinha e xingando o mundo, eu só consigo pensar: "ela é tão pequena, por que ninguém a está protegendo dessa exposição toda?".

A criança não estava lá sozinha, estava acompanhada da mãe. Se isso foi sensato ou não é outra história. Se a performance foi adequada, se foi de bom gosto ou não, é outra história também. Discutir a entrada ou não de crianças em eventos como esse é também outro assunto.

Mas, o que aconteceu ali, naquele dia especificamente, não foi pedofilia. Pedofilia é outra coisa. Pedofilia acontece quando uma garotinha, como essa da foto, por exemplo, se vê completamente sozinha, nas mãos de um agressor.

Ela tem 7, quase 8 anos. Foi passar as férias, no sítio, na casa da sua tia. Ela está dormindo na sala e acorda, de madrugada, com um brutamontes sobre ela, sufocando-a com seu peso, puxando seu pijama para baixo e colocando sua mão no pênis dele. Ela acorda assustada, não entende o que está acontecendo. Na escuridão total, tenta se livrar daquele ser sobre ela, que ela ainda nem conseguiu entender quem é, mas não consegue. Ele está forçando-a a abrir as pernas, magrelas. No meio dessa confusão ela só consegue entender que aquilo, que está acontecendo ali, naquela penúmbra, no meio da madrugada, é algo muito errado. Então a garotinha reúne toda sua coragem e grita o mais alto que consegue gritar, felizmente antes que ele conseguisse penetrá-la.

Quando a criança grita, aquela pessoa fala para ela ficar quieta e se levanta correndo. Então a menininha reconhece aquela voz. Não era um desconhecido, não era o cara nú do museu, trata-se de alguém que ela conhecia bem. Ele então corre para o quarto, onde ele estava antes, e finge que está dormindo. Os gritos da garotinha acordam seus tios, que chegam e lhe perguntam o que aconteceu. Quando ela conta, eles dizem que ela sonhou. Mas, ela sabe muito bem que não sonhou nada, seu peito ainda está dolorido, por causa do peso dele. Ela abre a mãozinha e mostra os cabelos que ela arrancou do seu agressor e, só então, seus tios acreditam nela.

Ainda sem entender o que acabou de acontecer, a garotinha é examinada. Ela tenta não pensar na vergonha que está sentindo, deitada na cama da sua tia, se sentindo exposta e invadida, então ela coloca o travesseiro no rosto. Seu hímem está intacto. Ela dorme o resto da noite na cama com a tia e na manhã seguinte o agressor não está mais na casa. Como a sua virgindade estar preservada é a única coisa que parece importar, seus tios conversam com a garotinha e todos decidem fingir que nada aconteceu.

Só quem não vai conseguir fingir é a menininha da foto. É ela quem não vai mais conseguir dormir bem pelo resto dos seus dias. É ela quem vai acordar no meio da madrugada tendo as piores crises de pânico. É ela quem não vai conseguir lidar com essa situação, pelo menos até hoje. É ela quem vai crescer insegura, se sentindo sozinha e sem entender direito o que aconteceu. Ela vai crescer sentindo que não pode confiar, e não confia mesmo em quase ninguém. Vai se tornar uma criança medrosa, insegura e muito ansiosa.

Quando ela se tornar jovem e conseguir entender o que aconteceu naquela noite, vai decidir deixar essa história de lado. Vai continuar guardando, junto com os tios, o segredo daquela madrugada sombria. Ela vai se sentir muito confusa quando ver o seu agressor levando a vida numa boa, sem sequelas e sem qualquer pena. Vai vê-lo se aproximar ainda mais da sua família. Se tornando parte de sua família, enquanto ela quem irá se afastar cada vez mais de alguém que ela confiava. Quando decidir contar para essa pessoa, que confiava, vai chamá-la de mentirosa, ciumenta e invejosa. Ela vai seguir seu caminho achando, sempre, que poderá ser trocada a qualquer momento, já que ela foi mesmo trocada pelo cara que abusou dela.

Mas ela vai conseguir superar e esquecer, ao menos vai achar isso. Vai conseguir ficar longe o suficiente para não ter que conviver com aquela pessoa que lhe causou tanto mal. Ela vai se tornar uma pessoa legal. Vai conseguir tocar a sua vida adiante, mesmo sentindo que perdeu algo muito importante, que não era a sua virgindade. Ela vai amadurecer rápido, vai se tornar uma boa pessoa, uma boa esposa, uma ótima mãe. Vai ser alguém com o bom senso de não levar o seu filho pequeno numa performance onde ele possa ser fotografado e exposto a todo tipo de pensamento.

Ela vai crescer, vai conseguir realizar muitas coisas, grandes coisas. Só não vai nunca parar de se perguntar: "por que eu me sinto tão só?" ou "por que eu estava lá sozinha?". E ela não vai conseguir deixar de ser uma pessoa tão ansiosa. Não vai conseguir deixar de ser tão insegura e de sentir aquele medo horrível, aquela sensação de solidão daquela noite escura. De ter um vazio imenso que nunca consegue suprir, mesmo depois dos 3 anos de terapia que ela faz.

Na foto: Adriana, 7 anos de idade. 


2 comentários:

  1. Inacreditável vc descreveu tb minha história, 7,8 anos, sitio,minha mãe ido posar na vila p ir á missa de domingo, desgraçadamente naquele dia não fui c ela,amava ir, e o agressor pode ter sido meu pai,irmão,tio ou amigo da família e na 2 vez q tentou gritei e minha irmã saiu de seu qto e ele se foi no escuro, ela n o viu, eu nunca falei, só c meu marido qdo n conseguia deixa-lo me tocar,sentia o mesmo, dp de anos casada falei p minha outra irmã que não acreditou,um ano de psicologa. Caminho lentamente,3 anjos vieram p me ajudar nos meus piores momentos,nos momentos q pensei em desistir.Tereza

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Quando postei esse texto o que mais me deixou assustada foi o tanto de pessoas que me procuraram no particular para me dizer: EU TAMBÉM PASSEI POR ISSO.

      Excluir