quinta-feira, 10 de junho de 2021

Reconstrução Mamária - Método Diep

 

O ano era 2018. Logo no início de abril eu recebia um diagnóstico de câncer de mama. A notícia foi um golpe que me deixou sem chão.

Escrevi bastante sobre essa experiência durante toda a parte mais pesada do tratamento. Há quase três anos, em julho de 2018 eu fui submetida a uma mastectomia radical da mama esquerda. Por mais doloroso que isso tenha sido, foi o que me salvou. Assim que abri os olhos na sala de recuperação, a Dra. Letícia imediatamente me disse: "tenho uma ótima notícia! Conseguimos retirar tudo, estava encapsulado, não tinha nenhuma contaminação dos linfonodos, você está livre do câncer. Essa notícia, dada assim de sopetão mudou tudo na aceitação da minha nova condição.

Quando soube que iriam retirar toda a minha mama esquerda, depois de receber toda explicação - perfeita -  do Dr. Andrade, eu "escolhi"não fazer a reconstrução imediata. Apesar de todo sofrimento de saber que seria mutilada, hoje eu entendo que fiz a melhor escolha. Ter retirado a mama toda, sem reconstruir, já me poupou de fazer radioterapia, uma das partes mais dolorosas de todo o tratamento. Além disso, a reconstrução tardia, permitiu que o foco da equipe médica fosse apenas a doença. Nesses quase três anos vivendo sem a minha mama esquerda foram de aprendizados incríveis. Eu já poderia ter reconstruído há um ou dois anos, mas eu quis esperar esses três anos até ter certeza de que a minha remissão estivesse mais perto da cura oficial. 

O marco de três anos em remissão é um motivo de muita comemoração e alegrias, pois venci mais da metade do tratamento, que no meu caso será de 5 anos. Ainda tomo tamoxifeno, ainda faço exames periódicos de três em três meses, mas nesses últimos três anos todas as minhas notícias foram sempre boas, maravilhosas. Depois de um ano da mastectomia eu resolvi retirar os ovários, preventivamente, isso me mantém ainda mais segura, pois consegui zerar a produção dos hormônios que me causaram o câncer. Pela primeira vez, em muito tempo, eu realmente me senti aliviada. Em paz de novo.

Depois de três anos olhando o meu corpo no espelho, convivendo bem com a prótese externa, fiquei expert nas "gambiarras", usava maiô tranquilamente. Sempre passei desapercebida na multidão. Nunca perceberam, a não ser que eu dissesse, que eu não tinha um seio. A convivência feliz com o meu novo corpo, a aceitação e o apoio incondicional do marido, varreram para longe de mim a ideia de reconstruir a mama. Até que em dezembro, numa das consultas com o meu mastologista ele me disse: você está ótima! Está radiante! Você está feliz, saudável e renovada. Vou te encaminhar para a cirurgia plástica, porque chegou o momento de você pensar nisso. Num primeiro momento eu disse categórica que não iria fazer a reconstrução, estava bem com a minha vida. Nunca fui tão feliz como sou hoje. E ele então me disse que esse era o melhor motivo para eu ir e conversar com o cirurgião. Eu fui!

Já cheguei no consultório dizendo que não queria reconstruir, que não queria colocar silicone num momento em que tantas mulheres estavam retirando. Que eu sempre sonhei envelhecer naturalmente, sem nenhum subterfúgio. Que eu sou feliz sendo quem eu sou. Então o Dr. Washington me disse: eu tenho exatamente o que você quer e isso casa perfeitamente com o que você precisa. Então ele me apresentou o modelo de reconstrução mamária feita com meu próprio tecido e que eu poderia envelhecer como sempre sonhei, mas INTEIRA outra vez. Ele me disse muitas coisas que acabaram por me convencer, mas acho que o que realmente me tocou foi quando ele me disse que a vida poderia me devolver tudo o que perdi. Que eu poderia ter de volta o equilíbrio do meu corpo, aposentar as minhas gambiarras e ser, de novo, uma pessoa completa.

Ele me disse isso justamente num momento em que eu vejo que a vida, aos poucos, tem me devolvido coisas que perdi durante esses 49 anos anos da minha existência. Até mesmo o disco do Ritchie, que eu ganhei aos 13 anos e que me roubaram - ganhei outro de aniversário. Reencontrei amigos de quem estava afastada há tempos. Tenho, dia após dia, recuperado pessoas, coisas, lugares, sentimentos e conquistas, que eu julgava perdidas. O mais importante de tudo: tenho reencontrado a mim mesma. Numa longa conversa de quase 2h, o meu médico me convenceu. Decidi recuperar também o meu seio esquerdo, concordando com ele de que a vida, depois de tudo que passei e sofri, me deve sim isso.

Então ele me explicou que faria exatamente o que eu tinha lhe pedido: reconstruir o meu seio, com material do meu próprio corpo, para que eu pudesse virar essa página e seguir envelhecendo normalmente. Ele me falou das maravilhas do novíssimo método DIEP que reconstrói a partir de um retalho abdominal, feito por microcirurgia, com fios mais finos que os meus cabelos, ligando vasos e nervos, o que, além do aspecto mais natural e parecido com o que eu era antes, possibilitará o retorno da sensibilidade da mama. Trocando em miúdos faremos conforme a figura abaixo:

                                             

Depois que me recuperar dessa primeira cirurgia, daqui três meses, ele fará os ajustes, simetria e mamilo. Ainda tenho um pedaço longo pela frente: me recuperar bem desta e encarar a próxima e última. É claro que estou com medo. Quem acompanhou a minha jornada até aqui, sabe dos perrengues todos, das minhas tantas etapas de medo, mas também sabe que eu não me paralisei, enfrentei tudo o que veio pela frente, morrendo de medo, tremendo de medo, mas na hora marcada eu estava lá. Hoje não será diferente. Estou aqui escrevendo porque não consegui dormir. Morrendo de medo de encarar mais 8h de um procedimento extremamente grande e delicado, mas às 7h da manhã estarei na sala de cirurgia do Hospital Sírio-libanês para que o Dr. Washington me devolva o mais próximo possível de quem eu era no início de 2018.

Por mais medo que eu sinta, eu sei que vai dar certo e sei que toda essa experiência tem me tornado uma pessoa  melhor, alguém de quem eu gosto muito. Uma pessoa mais livre e feliz. É claro que dá um frio na barriga colocar meu filho para dormir e saber que daqui a pouco sairei para enfrentar mais um dragão imenso sozinha, mas a diferença é que hoje eu sei que preciso fazer isso sozinha e que ninguém, por mais que me ame, poderá ir comigo ou no meu lugar para enfrentá-lo. Esse dragão, certamente, não será o 
último, mas a cada passo dessa jornada eu me sinto mais forte para ir.

Eu volto, assim que possível, para contar tudo como foi.
Torçam por mim!

Imagem: ShutterStock
Figura: divulgação internet