Esses dias recebi meu sobrinho e o amigo dele, que moram em Goiânia, que vieram para o show da Lady Gaga. Fazia algum tempo que não tínhamos adolescentes em casa. De repente nosso quarto de hóspedes ficou lotado de roupas, acessórios, sprays de cabelo e toda a parafernália que os adolescentes precisam para se produzirem. A casa se encheu de alegria. De uma vibração boa, de uma energia nova, que só um adolescente é capaz de produzir.
E fazia tempo, muito tempo, que eu não me lembrava mais como tudo é exageradamente importante e inadiável para eles. Foram pelo menos três dias em que os garotos não pregaram o olho. Uma noite inteirinha viajando, de ônibus. O ingresso custou caro demais, qualquer despesa extra foi cortada.
Qualquer pessoa, que não um adolescente - e principalmente se essa pessoa já tem quarenta anos e está grávida como eu - iria querer mais que tudo nessa vida um bom chuveiro e uma cama. Não eles! Assim que os peguei na rodoviária do Tietê, foram falando:
- Tia, a gente queria ir na Galeria do Rock e na Vinte Cinco comprar umas coisas, você pode nos levar?
Diego, meu marido, me olhou com cumplicidade e caiu na gargalhada. Foram umas quatro horas andando e esperando os garotos comprarem todos os apetrechos que precisavam. Depois disso, pensei eu: vão dormir a tarde toda. Ledo engano! Assim que chegamos em casa espalharam as coisas deles todas pelo quarto, tomaram banho e então começou um vai e vem pela casa:
- Tia você tem secador? Onde posso passar nossas camisetas? Tia você sabe onde fica o Hotel Tivoli da Alameda Santos? Tia você ajuda a gente colocar esse spray azul no cabelo?
- Mas vocês já vão se arrumar? O show não é amanhã a noite?
- Nós queremos ir na porta do Hotel tia, fica aqui pertinho...
Nessas alturas o Diego roncava alto e eu estava exausta. Porém, animadíssima com toda aquela empolgação. Só queria ficar ali perto dando meus palpites, arrumando os cabelos deles e pesquisando na Internet coisas que eles poderiam fazer para serem os mais descolados da cidade. Eu era novamente a Drizinha de 1986. Feliz, colocando meu tênis all star vermelho num pé e um azul no outro, pendurando milhares de bottons na minha jaqueta, colocando clips de papel na orelha no lugar do brinco, com minhas roupas brilhantes e coloridérrimas. Era novamente eu enlouquecida no quarto com as minhas amigas me arrumando para ver os Menudos! Lembrei dos laços, meias calças rasgadas, colares e crucifixos horrorosos estilo Madonna... Das bugigangas todas do Boy George e dos cortes de cabelo horríveis da Cindy Lawper, que eu amava é claro! Lembrei de tanta coisa.
Depois que eles foram para a porta do hotel, consegui relaxar, mas pouco tempo depois eles ligaram:
- Tia tem uma matinê, uma baladinha aqui perto do hotel, só entra menor de 18, é uma balada temática DELA tia, da nossa Lady... a gente pode ir?
E eles foram! Dançaram, cantaram todas as músicas, suaram e curtiram tudo a que tinham direito...
Pensei: agora eles dormem até amanhã.
Mas qual? O que?
Mal chegaram e foram para Internet pesquisar, contar para todo mundo tudo que tinham visto e o que iam fazer. Eu cansada cai na cama e desmaiei...
Cinco da manhã lá estavam eles inacreditavelmente de pé. Arrumadíssimos - passaram o resto da noite se arrumando - prontos e impecáveis para o show.
E eu:
- O que? Como assim já estão prontos para o show?
- É tia a gente viu que a fila já está gigantesca... Por favor, leve a gente lá?
Com muito custo fiz os pirralhos tomarem café, passei no mercado com eles e os fiz comprar comidinhas para aguentarem o tranco. Depois os despejei na porta do Estádio do Morumbi, às 06:00. Eu não faria isso, hoje em dia, nem se Renato Russo, Michael Jackson e Freddy Mercury ressuscitassem e fizessem juntos um show.
Enquanto eles passaram o dia todo, todinho mesmo, em baixo daquele sol infeliz, arrumadíssimos e cheio de uma empolgação que há muito eu não via, eu tive um dia tranquilo. Fiquei lembrando das maluquices todas que eu já fiz quando adolescente: desde usar o dinheiro do lanche da escola para comprar posters, até as mentiras mais escabrosas que já inventei para minha mãe. Lembrei da minha amiga Aninha que fugiu de casa porque queria se casar com o Robby Rosa - a mãe dela a alcançou chegando no Tietê. Lembrei das danças a tarde toda na casa da Celinha, do nosso fã clube, das farras todas ouvindo RPM a todo volume no quarto, dos cortes de cabelos e das roupas mais ridículas que poderiam existir, mas como éramos felizes!
Assim que o show acabou, e eles me ligaram, busquei dois trapinhos humanos na porta do Estádio. Estavam acabados, moídos, pareciam saídos de um trabalho forçado em alguma mina. Tinham olheiras gigantescas, os cabelos estavam pavorosos e o desodorante já tinha vencido fazia tempo. Mas, quando entraram no carro:
- Tia, hoje foi o melhor dia da nossa vida!
E no carro, antes mesmo de chegarmos em casa, finalmente dormiram.
Quando a gente tem 14, 15, 16 anos, temos uma urgência em tudo, não tem como ficar lá parado, quieto em casa esperando a hora do show. É preciso estar lá, junto dos seus iguais, é preciso estar o mais perto possível daquele momento que parece que vai ser o único e mais feliz da sua vida. E então quando crescemos, nos esquecemos de que já fizemos, ou pelo menos sentimos uma vontade enorme de fazer, isso tudo. Já fomos tão ou mais maluquinhos que eles e hoje quando os vemos, aos bandos, pelas ruas nos esquecemos completamente da nossa mais atrapalhada, e melhor, fase da vida!
os meninos na fila do show