domingo, 11 de junho de 2023

Centelha de vida!

Eu tô viva!
E a cada instante eu tenho a noção exata do que isso significa.
Quando a gente recebe um diagnóstico de uma doença grave cruza uma fronteira que a gente nem sabia que existia: a consciência da nossa efemeridade.
Você está ali vivendo sua vida sem prestar atenção e de repente você entende que o tempo pode ser realmente muito curto.
Logo que peguei o resultado da biópsia eu pesquisava, o tempo todo, notícias de sobreviventes. E conheci histórias lindas de superação, de força e coragem. Mas, o que mais me chamou atenção nesses relatos era que 100% dos sobreviventes tinham algo em comum: eles haviam descoberto uma centelha de vida. Um significado grandioso para sua existência: SER FELIZ!
Naqueles primeiros dias eu ficava pensando: como alguém poderia descobrir essa tal felicidade passando por momentos tão difíceis?E foi ao longo do tratamento que eu fui compreendendo cada vez mais o segredo disso. Quando você entende, pra valer, que pode ter que ir embora a qualquer momento a vida começa ter outro sentido. Eu não sei exatamente quando essa transformação aconteceu comigo, mas quem vai sobrevivendo vai se nutrindo de uma vontade férrea de viver. De não perder mais tempo algum com pequenas coisas ou dissabores. O tempo tá passando e você já esteve à beira do abismo, sabe quão profundo ele pode ser.
Então você passa a se nutrir de vida. Enquanto há vida!
Eu sempre fui uma pessoa feliz, sempre gostei de viver e sempre gostei de quem eu sou. Ao menos eu achava isso. Mas agora, cada segundo tem um sabor especial, não desperdiço uma única oportunidade de ser feliz. E quanto mais eu me embriago nessa alegria de estar viva, mais vontade eu tenho de viver.
Hoje quando eu penso em todas as coisas incríveis que só me foi possível perceber e compreender a partir daquele diagnóstico eu quase fico feliz por ter passado por essa experiência.
É um divisor de águas: o antes e depois da descoberta de mim mesma. Isso só foi possível, para mim, passando por um período muito muito muito tenebroso.
Eu não sei explicar exatamente qual foi o momento em que eu encontrei essa centelha, essa coisa etérea que transformou tanto a minha existência, mas quando eu olho as pessoas à minha volta eu fico desejando tanto que todo mundo também tivesse encontrado isso.
O mundo seria tão menos competitivo e tão mais divertido.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Vida Anticâncer

No último dia 03/03/23 tive consulta com a minha onco. Ela analisou meus últimos exames: ressonâncias, cintilografia, dosagem hormonal, e hemograma mega completo.
Pela primeira vez, nesses quase 5 anos de tratamento, ela falou oficialmente em CURA e programação da alta do tratamento.
Antes dessa última sexta ela sempre deixava claro: "extra oficialmente eu já acho que você está curada, mas só poderei te declarar curada quando tomar o último comprimido do tamox".
Dessa vez foi diferente, ela disse: "você está com produção hormonal zerada há 2 anos, vou refazer todos os seus exames no final do ano e acho que em dezembro já poderei te dar alta. Não vamos precisar esperar dez anos como imaginei".
Eu gelei! Disse que não me sentia segura, pois conheci pessoas que o câncer voltou após parar o tamox com uso de 5 anos.
Então ela me disse:
"não seria seguro se a produção hormonal estivesse ocorrendo normalmente. Na sua condição atual, ter uma produção hormonal de estrógeno de até 5,5 seria normal, mas você está produzindo 0,5 há 2 anos. Isso é zero!
Disse: "UM CÂNCER CURADO NÃO VOLTA. E NÃO EXISTE CÂNCER SEM AMBIENTE PROPÍCIO. O tumor que você teve se alimentou do estrógeno que você produzia em excesso."
E repetiu: "CÂNCER CURADO NÃO VOLTA SEM UM AMBIENTE PROPÍCIO E VOCÊ ESTÁ CURADA!
A ÚLTIMA, e contínua, etapa do tratamento agora é impedir que você produza outros tipos de tumores novos. A manutenção desse ESTADO DE CURA precisa ser para sempre.
E me mandou ler esse livrinho de 500 páginas.
Programamos minha alta para julho de 2026, quando totalizar 7 anos e meio de tratamento com tamox (medicação que impede células cancerígenas de se alimentarem dos hormônios).
Colocar em prática todos os ensinamentos desse livro é a última etapa do meu tratamento, que ela chamou agora de: PÓS CURA!
Ainda vou esperar 2,5 anos antes de receber oficialmente alta e ela fazer aquele ritual lindo e emocionante que ela faz quando declara um paciente curado do câncer. Mas, foi maravilhoso ouvi-la dizer, com todas as letras, pela primeira vez, em 5 anos, que ESTOU CURADA!

sábado, 11 de março de 2023

Reconstrução Mamária - Final

Depoimento feito para o site da clínica do Dr. Washington, que fez a minha reconstrução mamária em 2021:

Me chamo Adriana e fui diagnosticada com câncer de mama em 2018. O meu tratamento iniciou com uma mastectomia radical da mama esquerda. Na época tive a opção de fazer a reconstrução imediata, mas optei pela reconstrução tardia. Preferi concentrar todas as minhas energias e atenção no processo de cura. Dessa forma tive a oportunidade, três anos e meio depois, de conhecer o Dr. Washington, que me apresentou exatamente a técnica que eu gostaria de fazer. Colocar uma prótese de silicone não estava nos meus planos e a reconstrução com o método DIEP foi a mais acertada. A reconstrução foi feita em duas etapas: na primeira foi feito uma abdominoplastia e a mama foi reconstruída com o retalho, ligando vasos sanguíneos e nervos. Na segunda etapa foi feito o ajuste das mamas, a reconstrução do mamilo - usando parte do mamilo direito, que foi enxertado na mama reconstruída. Também nessa etapa foi feito uma lipoenxertia que preencheu e moldou o colo. Meses depois fiz a micropigmentação da aureola e suavização da cicatriz. O resultado ficou surpreendente e muito natural.
Dr. Washington é um profissional muito competente, experiente e apaixonado pelo que faz. Me senti muito segura e acolhida em todas as fases do processo. Desde a primeira consulta foi extremamente atencioso e detalhista. Eu segui à risca todas as recomendações e tive um pós operatório bem tranquilo, muito tranquilo mesmo. Imaginava que seria um período bem chato, mas foi tudo muito mais fácil. Não senti dores incômodas e em três dias já estava dando alguns passos pela casa. Toda a minha experiência foi realmente muito boa. O meu sentimento é de muita gratidão e carinho por esse profissional incrível que devolveu um pedaço da minha vida que eu não imaginava mais recuperar. Hoje, passado um ano e meio depois dos ajustes, praticamente nem me lembro mais que passei três anos e meio sem o meu seio esquerdo. 

Uma imagem vale mais que as palavras, então deixo aqui algumas fotos das etapas:

                                            (quando retirei as ataduras na mastectomia radical - julho de 2018)


                                             (primeira etapa da reconstrução - abdominoplastia em junho de 2021)


  (segunda etapa da reconstrução - ajustes em outubro de 2021)

  
(terceira etapa da reconstrução -  micropigmentação)

fotos: acervo pessoal)
 

domingo, 22 de janeiro de 2023

Coitadinha da Neném!

Eu tinha 2 anos e ela 10 meses quando fomos brutalmente separadas. Havia passado 9 meses ouvindo que teria um irmão ou irmãzinha para cuidar e mais dez meses cuidando, como podia, dessa irmã.

Nossos pais se separaram. Eu não tinha a menor condição, na época, de compreender os motivos e, apesar de ter apenas 2 anos e 10 meses quando isso aconteceu, me lembro perfeitamente das brigas, das palavras que eram ditas e exatamente do dia em que chegamos à casa do meu avô materno sem a minha irmãzinha, que havia ficado com o meu avô paterno.

Durante muito tempo - muito mesmo - esperei que ela voltasse. Chorei no colo da minha avó querendo minha irmãzinha de volta. Não conseguia dormir e não podia compreender porque a haviam tirado de mim. Cresci esperando o abençoado dia que iam me devolvê-la. Fiquei adolescente e virei uma mulher esperando o dia em que pudéssemos - agora livres - escolher viver toda a vida que nos foi negada. Que pudéssemos ser as irmãs que não nos foi permitido ser.

Enquanto crescia a frase: "Coitadinha da neném!", apesar de incompreensível, fazia todo sentido do mundo para mim. Eu me lembrava, mas não sabia porque repetia essa frase sempre que o nome da minha irmã era mencionado. Coitadinha dela! Coitadinha de mim!

Por mais que todo o tempo em que estivemos juntas na vida tenham sido de 10 meses, depois disso apenas em 1 final de semana e 1 viagem depois disso -  um tempo curtíssimo. Eu não compreendia a razão pela qual, desde os meus 2 anos de idade, me sentia tão responsável por aquele bebê que fora arrancado de mim, havia tantos anos. Como se a culpa fosse minha, como se eu tivesse feito algo errado, ou como se eu não tivesse tomado conta dela direito.

Passei toda infância sonhando com o dia em que brincaria de casinha com a minha irmãzinha. Reprimindo em mim aquele desejo absurdo de cuidar dela a cada vez que a via, nas rara e curtas visitas em que estive com ela. Nas visitas, rápidas, em que minha tia cochichava ao meu ouvido que eu não podia contar à ela que nós duas éramos irmãs. Apesar do absurdo daquela situação, eu obedecia sem protestar. Eu tinha apenas seis, sete, oito e nove anos, mas já sabia que iria precisar esperar pelo momento certo, que precisaria crescer e esperar que ela crescesse, para mudarmos aquela realidade que me causava tanto incômodo e dor.

Passei toda adolescência esperando pacientemente pelo dia em que ela tivesse a vida dela e que pudéssemos, como nos filmes, viver livremente toda aquela cumplicidade e amizade que havia nascido, há tanto tempo, naquele pequeno berço de madeira. Eu me lembro daquele berço com todos os seus detalhes. E me lembro das tardes - que pareciam eternas - em que passei deitada ao lado dela esperando que alguém chegasse para cuidar de nós. Eu não poderia trocar suas fraldas e nem fazer a sua mamadeira, mas me deitava ao seu lado e ficava passando a mão no seu rosto até ela dormir. Isso não foi ninguém que me contou, são coisas das quais me recordo como se tivessem acontecido agora mesmo. Estar em casa sozinha, deitada no berço ao lado da minha irmãzinha, que só tinha alguns meses, naquela casa de madeira sem pintura, é algo ainda hoje muito nítido nas minhas lembranças. Eu me sentia totalmente responsável por aquele bebê, sozinha com ela na casa. Coitadinha da neném! Eu repetia para as pessoas, mas ninguém de fato entendeu que eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Eu mesma precisei de 47 anos para entender,  de verdade, o que aquilo tudo significava e ligar os fatos às minhas antigas memórias.

Eu cresci, ela cresceu. Me tornei boa mãe. Aquele instinto maternal - desperto em mim quando tinha apenas dois anos de idade - me fez boa mãe, ainda que eu só tivesse 20 anos quando minha filha nasceu. Ainda que tivesse 16 ou 19 eu jamais teria ido embora ou deixado um bebê de 10 meses sozinho com uma irmã de apenas 2 anos e 10 meses. Ainda que eu tivesse esses mesmos 2 anos e 10 meses e soubesse cuidar desse bebê, eu teria cuidado. Teria alimentado e aconchegado em meu colo, mas tudo o que eu podia fazer, aos 2 anos, era me deitar ao lado dela. 

O fato é que crescemos, nos tornamos adultas e, durante esses quase 48 anos, tudo que tivemos foi um único final de semana em que eu pude, finalmente, ser a irmã dela. Um único final de semana, que achei que seria apenas o primeiro - quando fui morar na mesma cidade que ela para fazer faculdade. Não foi! Aquele dia nunca mais se repetiu, nem mesmo quando viajamos juntas - anos depois - quando percebi que éramos duas perfeitas desconhecidas. Aquele final de semana nunca mais vai se repetir, porque a distância nos tornou pessoas completamente diferentes uma da outra.

Durante muito tempo eu tentei, de todas as formas, me aproximar e tomar de volta o meu lugar, mas todas as tentativas foram frustradas. Aos 15 anos me meti num ônibus, sozinha, por 650 km, sem nunca ter feito isso antes, e fui até ela. Mas, ela ainda só tinha treze anos e eu não poderia tomá-la de volta e fazer dela uma irmã. Ela já conhecia uma história completamente diferente da que eu conhecia. Já sabia, por exemplo, que tinha sido dada em adoção e que estava sendo criada como filha pelos meus avós, mas não sabia absolutamente nada a meu respeito. No quanto a vida já era difícil para mim, de quantos sofrimentos eu já tinha passado, mesmo tendo apenas 15 anos. 

Ela cresceu achando que eu tinha sido escolhida para ir e ela para ficar. Quando na verdade eu também tinha sido deixada no lar dos meus avós. Eu não havia sido escolhida para ser amada, fui apenas um cabo de guerra de uma briga estúpida entre nossos pais. Ele não ficou por minha causa, tampouco me levou com ele, mas ela também não ficou comigo!

Há quatro anos, finalmente ouvi, do meu corajoso terapeuta, que eu nunca recebi amor pois não tinha cumprido a função para qual havia sido feita: a de segurar o homem amado ao fracassado casamento. Eu não cumpri minha função e a minha irmãzinha, de apenas dez meses, tinha piorado a situação. O nascimento da minha irmã o fez fugir - ainda mais rápido - com a outra. Nós três ficamos sozinhas. Nós duas ficamos sozinhas, em seguida. Eu fui disputada apenas porque a outra - a amante - me queria - e esse gosto ela jamais iria ter. Eu fui disputada, mas o vencedor nunca me amou. Minha irmã nunca conheceu esse lado da história, cresceu nutrindo por mim uma desconfiança e, talvez, algum rancor daquela que havia sido a escolhida.

O fato é que a irmã - nas palavras dela mesmo - teve seis irmãs, um pai e uma mãe. Nunca se sentiu abandonada, apesar de ter sido. E que essa dor - da ausência - era uma dor só minha. O que ela nunca soube é que eu também fui abandonada. Que eu também tive apenas o amor dos meus avós. Que fui uma criança amada, mas eu tive apenas avós. Jamais tive pais e nunca tive uma irmã presente. Também nunca tive nenhum rancor, eu apenas esperei, pacientemente, durante quase uma vida, pelo momento em que poderia reverter isso.

Precisei viajar 1700 km - depois de tanto tempo. Reencontrar o meu avô, idoso mas completamente lúcido, e em meio a conversas, tão despretensiosas, refazer aquele trajeto de quase 48 anos antes, para finalmente entender tantas memórias antigas, avulsas, que atormentavam minha imaginação. Pude enfim corroborar cada uma daquelas minhas lembranças frágeis da infância com histórias reais de quem também esteve lá naquele dia. Eu tinha apenas dois anos e dez meses, mas minhas lembranças eram reais. 

Hoje li mais uma vez, a penúltima conversa com ela, há 2 anos. Eu acabara de assistir a um filme chamado "Minha Irmã de Paris", em português. O filme contava a história de duas irmãs (gêmeas) que foram separadas aos 2 anos de idade. Uma ficou com a família paterna  e a outra com a família materna, quando os pais faleceram. Uma delas sempre soube a verdadeira história, já a outra - assim como nós - não sabia que era adotada. Foi um mero acaso ter assistido a esse filme e fiquei impressionada com as semelhanças com a nossa história. Nem sei porque escrevi à ela. Talvez para lhe contar isso, porque não tinha outra pessoa para falar, alguém que pudesse entender, caso também tivesse visto o filme. Ela não queria falar sobre o filme. Afinal ela tinha uma família e aquilo não fazia o menor sentido para ela. Desconversou. Como desconversava sempre que eu tentava uma aproximação. Mesmo depois de nós duas termos nos tornado mulheres maduras, desconversava. Eu ainda sentia muita falta de falar com ela, como fizemos naquele único final de semana em 1999.

Minhas sobrinhas nasceram e cresceram sem que eu pudesse ter trocado uma única fralda que fosse delas. Minha filha nasceu e cresceu sem que a tia nunca a tivesse segurado nos braços. Meu filho cresce sem seu colo também. Aquele dezembro de 1974 foi definitivo no nosso destino. Para mim o pouquíssimo tempo  em que estivemos juntas nunca foi o suficiente. Mesmo aquele final de semana falando sobre filmes e arte em 1999 ou aquela semana, em 2017, em que viajamos juntas e pude entender, pela primeira vez, que eu a havia perdido para todo sempre. Nós não nos conhecemos e, diferente dos filmes - onde não importa quanto tempo se passe - quando as irmãs finalmente se encontram acabam se tornando próximas. Nós nunca seremos ao menos amigas. Eu já não espero mais por essa redenção e nem que um dia teremos a cumplicidade e a amizade de verdadeiras irmãs. Lamento muito não ter podido viver essa relação. Mas, entendi que esse vazio nunca poderia ser preenchido. Passei muito tempo procurando, nas amigas, a irmã que havia sido roubada de mim, mas essas coisas não podem ser substituídas. 

Cresci achando que quando fôssemos adultas poderíamos mudar o mundo juntas e romper todas as barreiras, mas algumas barreiras são intransponíveis. O filme me fez pensar em tantas coisas. Nós duas já tivemos, pelo menos, uns 25 anos para fazermos isso - transpor essas barreiras - e nos conhecermos. Agora isso dependeria apenas da nossa própria vontade. As barreiras hoje são colocadas por nós mesmas, por uma de nós ao menos. 

Hoje estou conformada e bem resolvida sobre isso, mas me entristece saber que poderíamos ter reconstruído, do zero, a nossa história, se quiséssemos. O maior exemplo disso é a amizade e a cumplicidade que tenho hoje com a minha sobrinha, filha da minha irmã. Uma amizade que foi construída por nossa própria vontade. Um vínculo que decidimos ter e o construímos a partir do nosso único desejo. Sem memórias ou vivências anteriores. Essa talvez tenha sido a forma que a vida encontrou de me devolver algo que havia perdido há tanto tempo. Minha sobrinha me procurou quando mocinha, nos aproximamos, nos acolhemos, aprendemos nos amar incondicionalmente e desde então ela é a pessoa mais próxima que tenho na família de onde vim. Nós duas éramos duas completas desconhecidas - padecendo de uma falta parecida - e simplesmente decidimos nos tornar cúmplices, confidentes, amigas e quase irmãs. Ela me deixou ser sua tia. Me permitiu entrar na sua vida e ocupar o meu lugar nela. Me dá uma alegria imensa poder dizer: minha sobrinha se parece tanto comigo. Ou, simplesmente, olhar nossa foto juntas e identificar tantos traços em comuns. Saber que nosso DNA é algo tão incrível e forte que atravessou uma geração.


Foto: Divulgação Pagu Filmes e Incognita


domingo, 25 de setembro de 2022

5 km de gratidão e esperança!

Hoje foi um dia muito especial para mim. Há quatro anos, como sabem, fiz um tratamento muito intenso contra um câncer de mama. No dia, 24 de julho de 2018, quando acordei da mastectomia no hospital, prometi a mim mesma que um dia faria a corrida de 5 km promovida pelo hospital. Desde 1998, no início da campanha de "O Câncer de Mama No Alvo da Moda", comprava as camisetas, que eram vendidas em prol do tratamento de câncer, sem nunca imaginar que estava colaborando justamente com o mesmo hospital que um dia salvaria a minha vida: o IBCC, que agora se chama São Camilo Oncologia.

Nesses últimos 4 anos passei por uma mastectomia radical da mama esquerda, fiz 4 ciclos de quimioterapia, tive alopecia e sequelas da químio, em 2018. Faço hormonoterapia e acompanhamento oncológico por dez anos. Só terei alta e serei declarada oficialmente curada em 2028. Foram exatamente 2 anos inteiros para me recuperar totalmente dos efeitos da quimioterapia. 1 ano de fisioterapia para a pele, que foi esticada na mastecto, não aderir aos ossos do meu tórax, que doía muito. 

Em 2019 retirei, preventivamente, os ovários e em 2021 o útero. Ainda em 2021 passei por 2 cirurgias plásticas de grande porte, para reconstruir a mama, sem precisar colocar silicone, e fiz um autotransplante de mamilo, retirando um pedaço da mama direita e enxertando na esquerda reconstruída. Fiz mais 1 ano de fisioterapias diversas para colocar o ombro no lugar e ajudar na cicatrização. Foi necessário depois de tantas cirurgias, pontos e pele repuxadas. Desde junho de 2022 faço um tratamento para suavizar e clarear as cicatrizes e precisei de 2 sessões de tatuagens para refazer a auréola em torno do mamilo da mama reconstruída.

Só então, depois disso tudo, já totalmente recuperada, voltei a caminhar no início de 2022 e a correr cerca de 1 km desde julho deste mesmo ano. Fiz a minha inscrição para correr os 5 km, antes mesmo de conseguir correr esse primeiro quilômetro. Hoje, 25 de setembro de 2022, às 7 h, mesmo sem um treino mais específico, estava lá na largada, junto dos meus amores, para vencer mais esse desafio. 

Essa corrida foi ainda mais especial, pois, além de ter passado por um câncer de mama, foi um momento de outra superação pessoal. Há dez anos, em 2012, eu tinha 40 anos, pesava 52 kg e treinava quase que diariamente, fiz 5 km em 40 minutos na meia maratona de SPaulo daquele ano. Hoje, aos 50 anos, pesando 10 kg a mais e sem treinar corrida para valer, fiz os mesmos 5 km em menos de 38 minutos. 

Desde o primeiro momento essa corrida me emocionou muito. Estar ali na largada rodeada por uma multidão, me lembrando de cada pedacinho superado nesses últimos quatro anos, foi indescritível e será inesquecível. Muitas pessoas ao meu lado também estavam emocionadas, por terem passado pelo mesmo ou por ter ainda alguém que ama em tratamento. Foi realmente um momento único. Ao mesmo tempo tão solitário, com a minha música preferida tocando em looping no meu fone de ouvido, e em meio a uma multidão correndo ao meu lado com o mesmo propósito de chegar. Impossível descrever esse sentimento, foi maravilhoso.


Eu dediquei a minha corrida à uma amiga muito especial, a Rosário, que ainda está na batalha vencendo, bravamente, dia após dia cada um dos obstáculos que essa enfermidade tão complexa nos impõe. Foi muito gratificante poder dividir esse momento com ela e de alguma forma levar um pouco mais de fé e esperança para alguém que gosto muito.

Também foi emocionante receber o abraço tão afetuoso, tão apertado e acolhedor da minha querida amiga Natália, que madrugou nesse dia tão gelado para estar lá e me ver chegar. Os abraços: dela, do Diego e do meu Tomás, fez com que eu me sentisse uma pessoa muito amada. Um serzinho muito feliz e cercada de muito afeto.

Eu tenho muita sorte nessa vida, sempre tive! E nesses últimos 4 anos superei tantos medos, inseguranças, tantos traumas, sofrimentos e dificuldades que só consigo ficar imensamente GRATA por tudo que passei até aqui. Me arrisco até a dizer que, apesar de tão intenso e difícil que tenha sido o tratamento, eu me transformei numa pessoa de quem eu gosto muito. Me tornei uma pessoa tão feliz que não posso me queixar de absolutamente nada do que passei. Estar aqui hoje realizando sonhos, conquistando tantas coisas importantes, dando e recebendo tanto amor, fez valer cada sofrimento pelos quais passei.

Enquanto corria eu agradecia -  por tantas coisas incríveis que venho recebendo desde março de 2018 - e imaginava a minha médica esperando por mim lá na linha de chegada - com aquela risada gostosa que ela tem - dizendo, assim que eu cruzasse a linha final: "parabéns Adriana, você conseguiu, está TOTALMENTE CURADA e de alta do tratamento!". Foi esse pensamento que me fez correr - depois de dez anos - 5 km inteiros outra vez. Hoje foi apenas o início, terei mais 6 corridas dessas - uma por ano - antes que mais um dos meus sonhos se realize. 

Em dezembro de 2028 estarei lá, na linha de chegada - do consultório -, para pegar, com a Dra. Kelly , a "medalha" mais importante da minha vida.

 




Fotos: Acervo Pessoal Adriana Mani
Essa corrida foi feita e esse texto foi escrito ao som de Flashdance, da Irene Cara.
Canção que tem um significado muito especial para mim. Veja clicando AQUI!

quinta-feira, 24 de março de 2022

Flash & dance!

No mesmo instante em que o farol fechou na avenida Santo Amaro, em São Paulo - SP, a minha playlist do carro começou a tocar "what a feeling", sucesso absoluto nos anos 1980. O termômetro na rua marcava mais de 32 graus e o céu estava num azul magnífico. Eu estava indo encontrar uma amiga e o trânsito lento me deu tempo para pensar na vida. 
Enquanto ouvia a canção, tão velha minha conhecida, lembrei do filme Flashdance, o mesmo que fez a música, que tocava, ser o único hit de sucesso da Irene Cara no Brasil. Apertei o repete e enquanto os carros à minha frente não saiam do lugar eu cantava, o que lembrava, a plenos pulmões. 

As lembranças começaram a pipocar na minha cabeça: as cenas do filme, as danças na escola, a primeira vez que ouvi a música na "Bianca FM" e quando dei por mim estava, outra vez, no sol escaldante que fazia em 1988, no poeirão daquela cidadezinha, à quase 3 mil quilômetros longe daquele farol vermelho.

Eu tinha apenas 16 anos, mas já estava no meu terceiro emprego. Morava à 2 quilômetros longe do trabalho e ganhava meio salário mínimo por mês para fazer aquele percurso, ao menos quatro vezes ao dia. Quase sempre sob uma temperatura sufocante de 38 graus e sem filtro solar! Eu trabalhava para advogados inescrupulosos - que me exploravam descaradamente - mas eu só fui conhecer os meus direitos trabalhistas quando voltei definitivamente para SPaulo, muito tempo depois. 

O meu salário não pagava sequer uma calça jeans. Eu tinha casa e comida na casa da minha tia, mas a minha roupa e tudo mais já eram por minha conta fazia tempo. A calça eu precisei pagar, em cinco prestações, assinando uma promissória amarela, sem firma reconhecida. E debaixo daquele sol impiedoso eu ia para o trabalho com a minha fitinha cassete, que o Devaelton gravou para mim, tocando a música do filme no meu "walkman". E me distraia pensando na vida que um dia eu queria ter. 

Enquanto a Irene Cara se esgoelava no meu fone de ouvido eu imaginava que um dia voltaria a morar em São Paulo e que eu teria uma família linda, imensa! Estaria casada com uma cara super gente boa, que frequentaria lugares (e pessoas) interessantes e que não ia mais precisar andar tanto no meio daquela poeira sem fim. Eu teria um carro (quem sabe) e em vez de agradecer por chegar na asfaltada avenida Presidente Dutra, lá no quintos dos infernos, eu estaria parada num farol qualquer da avenida Paulista olhando os prédios e as pessoas na faixa de pedestre. Pensava nas árvores lindas do Parque Ibirapuera, por onde eu andaria léguas, mas só por prazer.

Quando o farol abriu e os carros começaram a andar, eu diminuí ainda mais a temperatura do ar condicionado e aumentei ao máximo o volume da música. Trinta e quatro anos me separam daquela fitinha surrada no meu walkman e a playlist do meu celular ali ligada no meu carro, mas já fazem mais de vinte anos que os meus sonhos - daquela manhã empoeirada - se realizaram. A música continuou tocando repetidamente até eu estacionar e ir encontrar a minha amiga, uma talentosíssima, e linda, fotografa de arte.

Fotos 1 e 2: Loredana Vianello

O lugar onde íamos nos encontrar estava fechado e quando o nosso plano inicial falhou fomos até o centro. Comemos um bolo maravilhoso numa doçaria portuguesa e conversamos por horas e horas e horas. Depois resolvemos ir até Perdizes encontrar um amigo dela e assim que liguei o carro a Irene começou a berrar novamente. A minha amiga se animou e começou a cantar junto. O dia foi ficando cada vez melhor. Ela nos filmou enquanto cantávamos e passávamos pelo Minhocão - uma verdadeira galeria a céu aberto. Encontramos o amigo dela, um artista incrível -  cujas obras são lindas -  que nos levou até o seu ateliê, nos fez um café fresquinho e ainda tocou violão para a gente. Nem preciso dizer que a casa dele é linda, cheia de plantas, de arte e de vida. Voltamos para casa com a certeza de termos vivido uma das tardes mais legais já que passamos juntas. Quando ela me mandou os vídeos das nossas cantorias eu percebi que as nuvens tinham a forma desse gigantesco coração, na foto 1 ai de cima. 

Em casa encontrei aquele cara super gente boa - meu marido -,o meu caçula Tomás, que tinha acabado de chegar da escola e veio me abraçar, a filhota de consideração - que importei lá do Xingu - assistindo uma série na TV. Pensei na minha polaca maravilhosa, minha primogênita na casinha dela, junto do meu genro querido e agradeci uma vez mais pela vida ser sempre tão generosa comigo e ter me dado uma família perfeita!

Agora, enquanto escrevo, o sono começou a bater e preciso dormir. Amanhã acordo cedo para andar os meus nove quilômetros diários. Eu caminho, por lazer hoje em dia, cinco vezes por semana num caminho lindo! Repleto de árvores imensas e flores, cheio de recadinhos amorosos e de gente feliz caminhando ao meu lado. Amanhã, às sete, quando eu colocar o fone de ouvido e apertar o play na música a Irene vai berrar outra vez e eu certamente vou dançar (e cantar) sozinha enquanto espero para atravessar o farol da Washington Luiz, como faço todas as manhãs.




Fotos 3, 4, 5 e 6 - acervo pessoal Adriana Mani

Nota: esse texto foi escrito ao som de What a Feeling - Irene Cara. A 22º canção de maior sucesso na história da música, segundo a Wikipédia.

Em tempo: 
A tradução do que eu cantava (sem saber) lá em 1988 enquanto sonhava com a vida que queria ter:

"Primeiro, quando não há nada
Apenas o vislumbre de um sonho
Que o seu medo parece esconder
Bem lá no fundo da sua mente

Eu chorei sozinha em silêncio
Lágrimas cheias de orgulho
Em um mundo feito de aço
Feito de pedras.

Então eu ouço a música
Fecho meus olhos, sinto o ritmo
Me envolve, e abraça
O meu coração

Que sentimento!
Acredite!
Eu posso conseguir tudo.
Agora estou dançando pela minha vida

Pegue sua paixão
E faça acontecer
Imagens ganham vida e você poderá dançar a sua vida inteira.

Agora eu ouço a música
Fecho meus olhos, eu sou o ritmo
E de repente, ela toma conta
Do meu coração

Que sentimento!
Acredite!
Eu posso conseguir tudo.
Agora estou dançando pela minha vida

Sinta sua paixão

Que sensação! (Eu sou música agora)
Acredite! (Eu sou ritmo agora)
Imagens ganham vida
Você pode dançar a sua vida inteira

Que sensação! (Eu posso realmente conseguir tudo)
Que sensação! (imagens ganham vida quando eu chamo)
Eu posso ter tudo (Eu realmente posso conseguir tudo)
Ter tudo (Imagens ganham vida quando eu chamo)

(Chamo, chamo, chamo, chamo, que sensação)
Eu posso conseguir tudo (Acredite)
Acredite! (Sinta sua paixão)
E faça isso acontecer (Faça isso acontecer)
Que sensação! (Que sensação)
Acredite! (Acontecer)
Sinta a paixão (Acontecer)
Acredite!"

fonte: Letras - Composição: Giorgio Moroder / Irene Cara / K. Forsey

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Reconstrução - Parte II - No meio do caminho havia um útero.

 

Em junho de 2021, quando iniciei o processo de reconstrução mamária, prometi voltar aqui para contar como anda esse processo. A primeira etapa foi um sucesso. Foi feito uma abdominoplastia e, como já havia contado antes aqui, o material foi usado para reconstruir a minha mama esquerda. A cirurgia durou cerca de oito horas e o trabalho da equipe foi incrível. Tive uma ótima recuperação, levando-se em conta que se tratou de uma cirurgia de grande porte, em poucos dias estava super bem. Não senti dores, e a recuperação foi bem menos chata do que imaginei que seria. Três meses depois a mama reconstruída estava com ótimo aspecto e caimento. Antes dos ajustes eu já estava feliz com o resultado, mesmo sem o mamilo esquerdo. No geral posso dizer que foi uma experiência muito gratificante, que me devolveu a sensação de estar inteira outra vez.

Há dois dias fiz a segunda etapa da reconstrução. Ainda estou aqui me recuperando. No meio do caminho, no acompanhamento com a minha ginecologista, descobri que o meu endométrio estava um pouco espesso. Então decidimos tirar também o útero preventivamente. Não foi uma escolha difícil, depois de ter tido sucesso na ooforectomia preventiva em 2019. Dessa forma poderei encarar os anos que faltam, do tratamento hormonal, mais tranquila, sem o medo constante de que um endométrio espesso, por conta do uso do Tamoxifeno, possa aumentar o risco de um câncer de útero. Uma coisa menos para me preocupar. Como a cirurgia plástica da mama já estava marcada conseguimos conciliar as duas e meus médicos, maravilhosos, fizeram as duas no mesmo dia.

Dizendo dessa forma, parece fácil, mas reconstruir sua vida pós câncer de mama não é uma tarefa simples. É necessário passar por muitos desafios e etapas que eu jamais teria escolhido passar, mas que durante toda essa jornada estão me tornando uma pessoa de quem eu gosto mais. Até agora, desde que descobri o câncer, em março de 2018, aconteceram tantas coisas que olhando em retrospecto nem sei como consegui vencer cada uma delas: começou com uma mastectomia radical da mama esquerda, dois meses de quimioterapia que me deixou sem os cabelos e por dias bem debilitada. Em 2019 tive episódios de depressão que me nocautearam, talvez mais que a químio. Ainda em 2019 desenvolvi um cisto imenso no ovário, causado pelo uso da medicação, e decidimos retirar os ovários para aliviar as dores e também como forma de prevenção já que o tratamento do câncer de mama aumenta um pouco o risco de desenvolver câncer de ovários. Nessa época morei por alguns meses em outra cidade e precisava vir todos os meses até São Paulo, para continuar o tratamento. No início de 2020 voltei à São Paulo e as coisas ficaram mais fáceis.

No final de 2020 meu mastologista, pela décima vez, quis me encaminhar para a cirurgia plástica para reconstruir a mama, mas eu só aceitei falar com o cirurgião quando a minha oncologista me declarou em remissão completa da doença em três anos. Isso significa que em três anos a doença não voltou e não houve nenhuma intercorrência que indicasse a possibilidade disso acontecer. Isso quer dizer que nesse momento estou curada, mas que o tratamento e o acompanhamento, que à princípio seriam de cinco anos, ainda não acabou. Mas, não deixou de ser um marco, um motivo de grande comemoração e só então decidi fazer a reconstrução. Depois de retirar o útero a minha onco resolveu estender o tratamento com o hormônio por dez anos, já que estudos novos sugerem maior segurança para a paciente se usado a medicação por mais tempo.

Depois do trabalho mais pesado finalmente eu comecei a me empolgar com a possibilidade de me refazer. Eu já estava completamente desencanada. Pensava, inclusive, em nem fazer a reconstrução, mas quando falei com o Dr. Washington, ele conseguiu me convencer de que eu merecia ter de volta esse pedaço da minha vida e do meu corpo. Ele estava certíssimo! Já na primeira etapa eu percebi que aquela Adriana, de antes do câncer, finalmente estava de volta. E não tenho nem palavras para agradecer o carinho e o cuidado dele, e de toda sua equipe, comigo. Tem sido uma experiência realmente boa depois de tantos percalços.

Eu sempre digo isso e preciso reafirmar que sou uma pessoa de muita sorte, por ter desde o início dessa saga encontrado os melhores médicos e pessoas que eu poderia ter encontrado. Dr. Andrade, meu mastologista, foi muito acertivo em todos os conselhos e recomendações que me deu. Fizemos a melhor escolha ao focar em uma coisa de cada vez. Não quis fazer a reconstrução imediata, preferi tratar a doença primeiro e ter certeza de que ela provavelmente não retornaria. Foi uma escolha muito feliz. Fazer a reconstrução tardia me deu a tranquilidade de concentrar toda minha energia na cura da doença e a possibilidade de encontrar, três anos depois, o Dr. Washington que me apresentou exatamente o tipo de reconstrução que eu queria fazer.

Também conto, nesse tempo todo, com a parceria da Dra. Kelly, minha oncologista, que tem sido um verdadeiro anjo na minha vida. Sempre muito realista comigo, me colocando de frente com as melhores soluções, como ter tirado os ovários, para poder parar de produzir hormônios e entrar logo na menopausa, por exemplo. Esses cuidados todos tem feito toda diferença no meu tratamento. Há um ano conto também com o apoio da Dra. Maria Augusta, que é uma pessoa incrível. Alguém que eu quero como amiga pelo resto dos meus dias. Ela tem sido muito mais que uma médica e terapeuta - porque ela acaba sendo um pouco minha terapeuta também. É alguém que já posso chamar de amiga. Eu tenho muita sorte! Muita! Estou cercada de pessoas que fazem as coisas serem muito mais fáceis para mim. Esse post é também a expressão de toda minha gratidão à eles. Obrigada! De todo meu coração.

Eu costumo dizer que não têm como passar por um tratamento de câncer sem algumas lágrimas, houveram muitas, e sem alguma dor. Também tive muitos dias dolorosos, de muito sofrimento, dúvidas e muito medo. Mas estou aqui para lhes dizer que é possível passar por tudo isso com o menor estrago. Acho que a parte mais importante disso tudo foi eu ter aprendido que algumas coisas eu precisaria passar sozinha, que era preciso abandonar algumas crenças, me desprender de toda e qualquer vaidade e não sofrer lutos desnecessários. Eu quero VIVER! E viver acabou sendo mais importante do que ter seios e cabelos ou não ter olheiras e algumas cicatrizes. É preciso em algum momento decidir e apenas IR!

Essas marcas no meu corpo hoje têm esse significado: EU ESTOU VIVA! Eu estou sobrevivendo há três anos apesar de todo medo e angústias durante o percurso. O que começou de forma tão dolorosa e num abismo de insegurança tem me tornado uma pessoa mais forte. Eu já era muito forte, mas antes eu não sabia disso. Tem me tornado uma pessoa que eu sei quem é e do que é capaz de suportar. Alguém que eu admiro e hoje posso dizer isso sem parecer arrogante. Eu sou uma pessoa incrível, por ter sido corajosa o suficiente de ir, mesmo com medo, mesmo com dor. Essas marcas hoje não doem, juro, não doem nadinha. Talvez, por eu ter me acostumado que para se estar vivo é preciso aprender a conviver com a dor e o medo.

Além de tirar o útero, dessa vez ajustamos a simetria das mamas e reconstrução do mamilo (foi feito um transplante do mamilo da outra mama), que eu ainda não vi, mas tenho certeza de que ficou ótimo. A ultima etapa dessa via crucis agora será a tatuagem da aréola. E ai acabou!

Por mais louco que isso seja, apesar desses hematomas, da lipoaspiração para enxertia na mama, essa pessoa que lhes escreve aqui é uma das pessoas mais felizes desse mundo hoje. Eu estou aqui! Por mim, pelos meus filhos, pelo meu amor, pelos amigos e minha família. E cada dia tenho mais certeza de que ainda vou ficar aqui por um bom tempo.

Que assim seja!

Esse texto foi escrito ao som de "another love" do Tom Odell.

Fotos: acervo pessoal